TEXTOS DE USO LECTIVO
1. A Idade Média na História da Filosofia
TEXTO 1
«[128] Nós temos, portanto, por grosso, duas filosofias: a grega e a germânica. Nesta última, temos ainda de diferenciar o tempo em que a filosofia compareceu formalmente como filosofia, e o período da formação [Bildung] e preparação para os tempos modernos.
Podemos começar a filosofia germânica só no momento em que aparece como filosofia em forma peculiar. Entre o primeiro período e os tempos modernos fica o período médio daquele fermentar de uma nova filosofia que, por um lado, se atém à essência substancial, não atinge a forma, [e], por outro lado, aperfeiçoa o pensamento como mera forma de uma verdade pressuposta até que se reconhece de novo como fundamento livre e fonte da verdade.
A História da Filosofia decompõe‑se, portanto, nos três períodos: da filosofia grega, da filosofia do tempo intermédio e da filosofia dos tempos modernos; em que a primeira é determinada pelo pensamento, em geral; a segunda se decompõe na essência e na reflexão formal, e em que, na terceira, é, porém, o conceito que está na base. Isto não é de entender como se a primeira só contivesse pensamento; ela contém também conceitos e Ideias, assim como a última começa por pensamentos abstractos, mas pelo dualismo.
Primeiro período: dos tempos de Tales (aproximadamente, 600 antes de Cristo) até à filosofia neoplatónica (Plotino, no século terceiro) e a sua ulterior continuação e aperfeiçoamento (por Proclo, no século quinto), até {132} que toda a filosofia se apaga (esta filosofia entrou mais tarde para dentro do cristianismo; muitas filosofias no interior do cristianismo têm a filosofia neoplatónica por base) – um espaço de tempo de cerca de 1000 anos, cujo termo [Ende] coincide com as emigrações de povos e a decadência do Império Romano.
{129} Segundo período: o da Idade Média; a ele pertencem os escolásticos, historicamente, são também de mencionar os árabes e os judeus; mas esta filosofia cai principalmente no interior da Igreja cristã – um espaço de tempo de algo mais de 1000 anos.
Terceiro período: a filosofia dos tempos modernos, sobressaliente para si apenas desde a Guerra dos Trinta Anos, com Bacon, Jacob Böhme e Descartes (este começa com a diferença: cogito ergo sum) – um espaço de tempo de um par de séculos; esta filosofia é, assim, ainda algo de novo.»
HEGEL, Introdução às Lições sobre História da Filosofia (1816‑1817), tradução, introdução e notas de José Barata‑Moura, Porto, Porto Ed., 1995, pp.167‑169.
TEXTO 2
«Uma instrutiva via para se cair na conta de alguns dos problemas básicos que enfrenta o historiador da filosofia seria precisamente seguir o processo de constituição das noções com que designamos as épocas históricas: Antiguidade, Idade Média, Modernidade, Renascimento. A história de uma é a das outras, em positivo ou em negativo, em relevo ou em sombra. Acompanhar, por exemplo, a lenta e complexa génese da noção de “idade média”, da sua caracterização negativa em contraste com a Antiguidade que acabava de ser por assim dizer inventada e elevada a referência de valor (enquanto a “idade média” era associada a uma “idade de trevas”, de ignorância, de barbárie, de rudeza monástica) por parte dos humanistas do século XIV e XV, os quais, por seu turno, acreditavam estar a inaugurar ou a viver um momento de restauração ou restituição das letras e das ciências naquele estado que elas haviam alcançado nos tempos antigos; acompanhá-la depois na historiografia iluminista, e assistir à sua reabilitação na historiografia romântica e nos historiadores (também os da filosofia) do século XX. Ainda hoje se anda à procura da verdadeira Idade Média, como pode ver-se pelo título duma recente obra do medievalista francês Jacques Le Goff [À la recherche du Moyen Âge, Ed. Louis Audibert, Paris, 2003]. Em cada caso, de que Idade Média se fala? À chacun son Moyen Âge! À chacun sa Renaissance! Certamente, a Idade Média dos humanistas ou a dos iluministas não é a dos românticos; o que uns nela reprovam e desprezam é o que aos outros parece digno de apreço. Isso mostra que as épocas têm virtualidades que podem tornar-se invisíveis ou não reconhecidas como tais por épocas posteriores e assim como em cada renascimento da Antiguidade é uma outra nova Antiguidade que se inventa, o mesmo se pode dizer da Idade Média. Tal como nas gerações humanas assim parece haver nas gerações culturais uma lei segundo a qual toda a geração subsequente rejeita aquela que imediatamente a precede e que a tornou possível. Mais do que dizerem o que constitui objectivamente uma dada época histórica na sua particularidade, o que as categorias históricas expõem é uma determinada relação com o tempo em que foram constituídas ou com a contemporaneidade.»
LEONEL RIBEIRO DOS SANTOS, «Dos Antigos aos Modernos. Consciência histórica e consciência de época nos pensadores dos séculos XV a XVII», in O Espírito da Letra. Ensaios de Hermenêutica da Modernidade, Lisboa, INCM, 2007, pp.97-98.
TEXTO 3
«§53. Mas se a filosofia medieval parece mostrar menor interesse do que a patrística no que concerne à posição do problema das relações da filosofia com o seu passado e à questão geral do valor da tradição, ela parece mostrar um outro totalmente considerável.
A conciliação entre a filosofia e a sua história parece de tal modo bem adquirida que dir‑se‑ia agora que a filosofia está inteiramente reduzida à sua própria história, que ela é por esta absorvida, não se identificando consigo mesma senão na medida em que se redescobre no seu passado. A este respeito, poder‑se‑ia dizer que a Idade Média é a idade de ouro da História da filosofia, uma vez que toda a filosofia parece reduzir‑se a ela.
É sobre este terreno eminentemente histórico que se move e evolui a filosofia medieval. Ela procede menos de uma livre reflexão exercendo-se directamente sobre a natureza, os costumes, as instituições políticas, do que de uma reflexão incidindo sobre as doutrinas filosóficas passadas, consideradas como a expressão da razão, – reconduzindo-se o problema da conciliação com a fé ao da conciliação da fé com a tradição filosófica.
O esforço do filósofo é, então, sobretudo, um esforço para restaurar antes de mais esta tradição, isto é, um esforço de historiador. Durante séculos, o movimento e o porvir das concepções filosóficas encontram-se determinados, não por descobertas devidas às ciências positivas, mas por descobertas de erudição e de história. Ainda que a evolução da filosofia greco-latina (como ulteriormente, aliás, a da filosofia moderna) não seja senão em parte condicionada pela reflexão sobre as doutrinas anteriores, e seja sobretudo influenciada por uma livre meditação sobre os problemas das ciências (matemática ou física), da política, da moral, tendo sofrido a repercussão das descobertas de ordem matemática (por exemplo, os Pitagóricos e Platão) e do esforço para instaurar ciências novas (por exemplo, a biologia por Aristóteles), a evolução da filosofia medieval é comandada, não exclusivamente sem dúvida mas sobretudo, pela descoberta sucessiva dos tesouros da tradição filosófica.»
MARTIAL GUEROULT, Histoire de l’Histoire de la Philosophie I, Paris, 1983, C.IV, pp.112-113 (trad. nossa).
TEXTO 4
1.3. A controvérsia dos anos 30 do séc. XX
«Ora, a propósito desse ensinamento do Cristo, que se opõe com evidência ao helenismo por total ausência de perspectivas teóricas e racionais sobre o universo e sobre Deus, o historiador da filosofia deve pôr a si mesmo um problema que não é aliás senão um aspecto de um problema mais geral concernente à história da civilização: qual é em rigor a importância, na história das especulações filosóficas, do facto de que a civilização ocidental, a partir de Constantino, se tornou uma civilização cristã?» ÉMILE BRÉHIER, Histoire de la Philosophie. I: Antiquité et Moyen Âge, 2ª ed. rev. Paris, Quadrige/ PUF, 1983, II, c.VIII, s.I, p.431 (trad. nossa).
«Resta saber até que ponto se pode dizer que o cristianismo renovou a nossa visão do universo. Seria perigoso confundir aqui o próprio cristianismo com a interpretação que dele é dada depois de muitos séculos decorridos. O cristianismo, nos seus começos, não é de todo especulativo; é um esforço de entreajuda quer espiritual quer material nas comunidades. Mas, antes de mais, esta vida espiritual não é de todo particular ao cristianismo: a necessidade de vida interior, de recolhimento, é sentida em todo o mundo grego bem antes do triunfo do cristianismo; a consciência do pecado e da falta exprime-se em fórmulas populares nos historiadores e nos poetas; a prática do exame de consciência, a de consultas espirituais, que são verdadeiras confissões, são frequentes no início da nossa era. Mais, era preciso que esta prática e esta vida espirituais tivessem mudado o que quer que fosse na imagem do universo que resultava da ciência e da filosofia gregas: um mundo único e limitado, geocentrismo, oposição da terra e do céu, tudo isto persistirá até à época da Renascença; ao cosmo grego justapõe-se a vida espiritual dos cristãos sem que nasça uma nova noção das coisas; no interior da vida espiritual, sem dúvida, introduz-se (mesmo assim veremos com que restrição) esta noção de crise imprevisível, de iniciativa absoluta, que a cosmologia grega tinha tentado apagar; mas este sentimento da história e da evolução não se realizará numa concepção de conjunto das coisas senão graças à experiência infinitamente acrescida do homem no tempo e no espaço, graças à reformulação metódica dessa curiosidade grega, que os estóicos já censuravam.
Nós esperamos, pois, mostrar, neste capítulo e nos seguintes, que o desenvolvimento do pensamento não foi fortemente influenciado pela chegada do cristianismo, e, para resumir o nosso pensamento numa palavra, que não há filosofia cristã.» IDEM, Op. cit., pp.436-437 (trad. nossa).
«Reduzido à sua fórmula mais simples, ele [o problema da filosofia cristã] consiste em se perguntar se a própria noção de filosofia cristã tem um sentido e, subsidiariamente, se ela corresponde a uma realidade ? Não se trata naturalmente de saber se houve cristãos filósofos, mas antes de saber se pode haver filósofos cristãos. Neste sentido, o problema colocar-se-ia da mesma maneira a propósito dos Muçulmanos e dos Judeus. Toda a gente sabe que a civilização medieval é caracterizada pela extraordinária importância que nela toma o elemento religioso.» ÉTIENNE GILSON, L’Esprit de la Philosophie Médiévale, 2ª ed. rev., 3ª tir., Paris, Vrin, 1978, C.I, p.2 (trad. nossa).
«Alguns consideram a filosofia em si mesma, na sua essência formal e abstracção feita das condições que presidem à sua constituição bem como à sua inteligibilidade. Neste sentido, é claro que uma filosofia não saberia ser cristã, não mais do que judaica ou muçulmana, e que a noção de filosofia cristã não tem mais sentido do que a de física ou de matemática cristã.
Outros, tendo em conta o facto evidente que, para um cristão, a fé desempenha um papel de princípio regulador extrínseco, admitem a possibilidade de uma filosofia cristã, mas, cuidando de conservar a filosofia na pureza formal da sua essência, consideram como cristã toda a filosofia verdadeira, que apresenta “uma concepção da natureza e da razão aberta ao sobrenatural” [P. M.‑D. Chenu]. Não é duvidoso de que este seja um dos aspectos essenciais da filosofia cristã, mas não é o único, nem talvez mesmo o mais profundo. Uma filosofia aberta ao sobrenatural seria certamente uma filosofia compatível com o Cristianismo, mas não seria necessariamente uma filosofia cristã. Para que uma filosofia mereça verdadeiramente este título, é preciso que o sobrenatural desça, a título de elemento constitutivo, não na sua textura, o que seria contraditório, mas na obra da sua constituição. Chamo, pois, filosofia cristã a toda a filosofia que, embora distinguindo formalmente as duas ordens, considera a revelação cristã como um auxiliar indispensável da razão. Para quem a entende assim, esta noção não corresponde a uma essência simples susceptível de receber uma definição abstracta; ela corresponde, antes, a uma realidade histórica cuja descrição ela designa. Ela não é senão uma das espécies do género filosófico e contém na sua extensão os sistemas de filosofia que não foram aquilo que foram senão porque existiu uma religião cristã e da qual eles incluíram voluntariamente a influência» IDEM, Op. cit., C.II, pp.32-33 (trad. nossa).
De regresso aos primeiros filósofos do cristianismo: a doutrina augustiniana do Mestre interior
«Ag.- Por conseguinte, acerca das cores, certificamo-nos por meio da luz; acerca das outras realidades que sensoriamos por acção [através] do corpo, certificamo-nos por meio dos elementos deste mundo, ou dos mesmos corpos que sensoriamos, e também dos próprios sentidos, de que a mente usa como intérpretes para conhecer essas realidades. Quanto às realidades que inteleccionamos, certificamo-nos consultando a Verdade interior por meio da razão (interiorem Veritatem ratione consulimus). – […]. Com efeito, todas as coisas que percebemos, ou as percebemos pelos sentidos do corpo ou pela mente. Denominamos as primeiras sensoriais; as segundas, inteligíveis; ou, para falar à maneira dos nossos autores, denominamos carnais as primeiras; espirituais as segundas.» Stº. AGOSTINHO, O Mestre, trad. de António Soares Pinheiro, Porto, Porto Ed., c.12, p.93, ll.9-21.
«Ad.- […]. Se realmente se dizem coisas verdadeiras, só o ensina Aquele que, quando falava de fora (cum foris loqueretur) [de preferência a: quando nos falavam de fora], advertiu de que habitava no interior.» IDEM, Op. cit., c.14, p.98, ll.33-35.
2. Cultura e Religião
TEXTO 5
2.1. Artes liberais
HUGO DE S.VÍTOR, Didascálico (Didascalicon. Texto da ed. crítica de Ch. H. Buttimer, Washington, The Catholic University Press, 1939)
«Na verdade, uma coisa é não saber (nescire), outra coisa é não querer saber (nolle scire). Não saber é decerto uma infirmidade, mas detestar a ciência é uma vontade pervertida.» Didasc., “Praefatio” (trad. nossa).
«Antes que existisse a gramática, os homens já escreviam e falavam; antes que existisse a dialéctica, já discerniam o verdadeiro do falso, raciocinando; antes que existisse a retórica, já tratavam das leis civis; antes que existisse a aritmética, já tinham a ciência de numerar; antes que existisse a música, já cantavam; antes que existisse a geometria, já mediam os campos; antes que existisse a astronomia, já percebiam as diferenças dos tempos, através dos movimentos das estrelas. Mas vieram as artes, que, apesar de terem tido início no uso, pelo uso, são porém melhores.» Didasc. I, c.11 (trad. nossa).
«O fim e a intenção de todas as acções humanas e estudos, que a sabedoria governa (moderatur), devem contemplar o seguinte: que seja reparada a integridade da nossa natureza e que seja abrandada a necessidade das privações a que está sujeita a vida presente. […]. Há duas coisas no homem, o bem e o mal, a natureza e o vício. O bem, porque é natureza, e porque está corrompido, porque está diminuído, deve ser reparado pelo exercício. O mal, porque é corrupção, porque não é natureza, deve ser excluído. Este, se não pode ser exterminado por completo, deve ser, pelo menos, debelado pelo remédio aplicado. O que deve ser feito é, pois, isto: que a natureza seja reparada e o vício, excluído.» Didasc. I, c.5 (trad. nossa).
TEXTO 6
Artes liberais e filosofia em Agostinho
«Portanto, três são os géneros de coisas nas quais o racional (rationabile) aparece: um está nos actos referidos a algum fim; outro, no dizer (in dicendo); o terceiro, no deleitar (in delectando). O primeiro adverte-nos de nada fazermos imprudentemente; o segundo, de ensinar correctamente; e o último, de ser feliz na contemplação. O primeiro concerne aos costumes, e os dois restantes, às disciplinas de que agora tratamos. Na verdade, aquilo que em nós é racional (rationale), isto é, aquilo que usa a razão e faz ou segue o que é racional (rationabilia), – uma vez que estava ligado em sociedade, por um vínculo natural, àqueles com os quais tinha a própria razão em comum, de modo que nenhuma associação sólida entre os homens seria possível, se eles não conversassem (nisi colloquerentur) e assim pusessem em comunicação as suas mentes e pensamentos – viu que deviam ser impostos vocábulos às coisas, isto é, alguns sons significantes, a fim de que, na impossibilidade de sentir os seus espíritos (animi), usassem o sentido como um intérprete para os unirem entre si. – Mas não podiam ouvir as palavras dos ausentes. Portanto, aquela razão produziu as letras, anotando todos os sons distintos da boca e da língua. Nada disto, porém, poderia fazer se a multidão das coisas parecesse abrir-se indefinidamente sem termo fixo. Daí ter sido advertida com necessidade a grande utilidade de enumerar. Destas duas descobertas, nasceu a profissão dos mestres da escrita (librariorum) e do cálculo (calculonum), que é como que uma infância da gramática, que Varrão chama “litteratio”.» De ordine II, 12, 35 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 4, Paris, Desclée de Brouwer, 1948, pp.424 426. Trad. nossa).
«Ninguém deve aspirar ao conhecimento destas matérias [questões sobre Deus e o mal, a partir do maniqueísmo, enunciadas em 17, 46] sem aquela como que dupla ciência da boa disputa e da potência dos números. Se alguém julgar que isto é ainda muito, então que conheça muito bem ou só os números ou só a dialéctica. E se isto é infinito, então que saiba tão perfeitamente o que seja o uno nos números quanto o consegue [saber], não ainda naquela lei suprema e ordem suprema de todas as coisas, mas nas coisas que sentimos e fazemos a cada passo quotidianamente. De facto, a própria disciplina da filosofia comporta já esta erudição (Excipit enim hanc eruditionem iam ipsa philosophiae disciplina), e nela nada mais apreende (invenit) senão o que seja o uno (quid sit unum), mas de longe de forma mais elevada e divina. A filosofia versa sobre uma dupla questão (cuius duplex quaestio est): uma sobre a alma (una de anima), a outra sobre Deus (altera de Deo). A primeira faz com que nós nos conheçamos a nós próprios; a segunda faz com nós conheçamos a nossa origem.» De ordine II, 18, 47 (Trad. nossa).
«Há dois géneros de ciências (duo sunt genera doctrinarum), que já se exercem nos costumes dos gentios: um é o daquelas coisas que os homens instituíram (quas instituerunt homines); outro, o daquelas que eles descobriram já realizadas ou divinamente instituídas (quas animadverterunt iam peractas aut divinitus institutas). Aquilo que é de instituição humana, em parte é supersticioso, em parte não é.» De doctrina christiana II, 19, 29 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 11, Paris, Desclée de Brouwer, 1949, p.284. Trad. nossa).
TEXTO 7
Arte e disciplina
«3. Platão e Aristóteles quiseram que houvesse uma diferença entre arte e disciplina, dizendo que a arte está nestas coisas que podem ser de outro modo, enquanto é disciplina, aquela que trata das coisas que não podem acontecer de outro modo. Quando se disserta acerca de algo com argumentações verdadeiras (veris disputationibus), isso será disciplina; quando se trata, porém, de algo verosímil e opinável, isso terá o nome de arte.» ISIDORO DE SEVILHA, Etymologiarum I, 1, 3 (Texto da ed. Scriptorum Classicorum Biblioteca Oxoniensis (1911), reprod. em Biblioteca de Autores Cristianos 433, Madrid, 1982, p.276. Trad. nossa).
Definições de filosofia
«1.A filosofia é o conhecimento das coisas humanas e divinas, associada ao zelo de viver rectamente.» IDEM, Etimologias II, 24, 1.
«A filosofia é a ciência provável das coisas divinas e humanas, tanto quanto é possível ao homem» IDEM, Etim. II, 24, 9.
«A filosofia é a arte das artes e a ciência das ciências» IDEM, Ibid.
«A filosofia é uma meditação sobre a morte, o que convém mais aos cristãos, que, calcando a ambição mundana, através de uma conduta disciplinada, vivem à semelhança da pátria futura.» IDEM, Ibid.
Divisões da filosofia
«A filosofia divide‑se em três partes: a primeira, a natural, que em grego se chama física, na qual se trata da investigação da natureza; a segunda, a moral, que em grego se diz ética, na qual se trata dos costumes; a terceira, a racional, que se chama pelo nome grego de lógica, na qual se examina o modo de procurar a verdade nas causas das coisas e nos costumes da vida.» IDEM, Etim. I, 24, 3.
«Outros delimitaram a razão da filosofia em duas partes, das quais a primeira é contemplativa (inspectiva) e a segunda, activa (actualis). A contemplativa divide‑se em três, isto é, em natural (naturalis), doutrinal (doctrinalis) e divina (divina). A doutrinal divide‑se em quatro, isto é, em aritmética, música, geometria e astronomia. A activa divide‑se em três, isto é, em moral (moralis), economia doméstica (dispensativa) e civil (civilis).» IDEM, Etim. I, 24, 10‑11.
Interioridade da filosofia
«4. O terceiro lume, que ilumina na perscrutação das verdades inteligíveis, é o lume do conhecimento filosófico, que se chama interior porque inquire as causas interiores e latentes, e fá‑lo por meio dos princípios dos vários ramos do saber e da verdade natural, que estão impressos de maneira natural no homem.» SÃO BOAVENTURA, Recondução das Ciências à Teologia (De reductione artium ad theologiam) 4, tradução e prefácio de Mário Santiago de Carvalho, Porto, Porto Ed., 1996, p.16.
TEXTO 8
2.3. Religião
«Platão considera estes deuses [invisíveis] naturezas incorporais, animadas, sem fim nem princípio, mas eternas tanto no sentido do futuro como no do passado, afastadas por sua própria natureza do contacto do corpo, [dotadas] de uma capacidade perfeita para a beatitude suprema, sem participação de algum bem exterior, mas boas por si mesmas e com fácil, simples, livre e absoluto acesso a tudo aquilo que lhes compete. A respeito do pai destes [deuses], que é o autor e o senhor de todas as coisas, desligado de todos os laços de padecer ou de fazer algo, que nenhuma condição obriga ao dever de alguma coisa, por que razão começaria eu agora a falar, uma vez que Platão, dotado de celeste eloquência, dissertando ao nível dos deuses imortais, proclama frequentissimamente que este único, pela superabundância incrível e inefável da sua grandeza, não pode ser compreendido em qualquer discurso exíguo, dada a penúria da linguagem humana? Difícil [é] aos homens sábios, quando, com o vigor do espírito, se apartaram do corpo tanto quanto possível, atingir a inteligência deste deus, o que só acontece às vezes, como uma luz brilhando intermitentemente, com um rapidíssimo fulgor, nas densíssimas trevas.» APULEIO, De Deo Socratis, n.3, 123-124, in Apulée, Opuscules Philosophiques (Du Dieu de Socrate, Platon et sa doctrine, Du monde) et Fragments, texto estabelecido, traduzido e comentado por Jean Beaujeu, Paris, Les Belles Lettres, 1973, pp.22‑23.
«Religue‑nos a religião ao Deus único e omnipotente, pois entre a nossa mente, pela qual o inteligimos como Pai, e a verdade, isto é, a luz interior pela qual o inteligimos, nenhuma criatura foi interposta.»AGOSTINHO, De vera religione 55, 113 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 8, Paris, Desclée de Brouwer, 1951, p.188).
«2. Se a prática da filosofia consiste apenas no estudo das coisas existentes e na reflexão sobre elas na medida em que constituem prova d[a existência d]o Criador, ou seja, na medida em que são criadas – porque é apenas na medida em que conhecemos a criação das coisas existentes que obtemos a prova [da existência] do Criador, e tanto mais completo é o conhecimento do Criador quanto mais completo for o conhecimento da Sua criação – e se a religião recomenda e exorta à reflexão sobre as coisas existentes, é evidente que aquilo que é designado pelo termo “filosofia” ou é obrigatório ou é recomendável segundo a religião.» AVERRÓIS, Discurso Decisivo sobre a Harmonia entre a Religião e a Filosofia, n.2, tradução do árabe, introdução e notas de Catarina Belo, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, p.54.
«13. Por conseguinte, é evidente que o estudo das obras dos Antigos é obrigatório segundo a religião, visto que o objectivo e intuito das suas obras é o mesmo que o objectivo a que nos exortou a revelação. Se alguém proíbe o seu estudo a quem para ele esteja apto, isto é, alguém que reúna duas características, sendo uma delas a inteligência inata e a outra a integridade religiosa e a virtude ética – interdita às pessoas a porta através da qual a religião apela as pessoas ao conhecimento de Deus, ou seja, a porta do estudo (teórico) que leva ao verdadeiro conhecimento de Deus. É o cúmulo da ignorância e do afastamento de Deus, excelso.» IDEM, DDHRF, n.13, p.61.
TEXTO 9
HILDEGARDA DE BINGEN
Visões
«As visões que vi, não foi em sonhos, nem dormindo, nem em delírio, nem pelos olhos corpóreos ou pelos ouvidos do homem exterior, nem foi em lugares escondidos que as percebi, mas foi estando acordada, mentalmente atenta com os olhos e os ouvidos do homem interior, em lugares abertos, que, segundo a vontade de Deus, as recebi.» Scivias, “Prefácio” (PL, 197, 384 A-B. Trad. nossa, comparada com: HILDEGARDE DE BINGEN, Scivias «Sache les voies» ou Livre des visions, 2ª ed., prés. et trad. Par Pierre Monat, Paris, Cerf, 1996, p.27).
Visão do ovo
«De facto, esta grande massa que vês, arredondada e penumbrosa, à semelhança de um ovo, estreita em cima, larga no meio e ligada em baixo, mostra fielmente Deus omnipotente, incompreensível na sua majestade, imperscrutável nos seus mistérios, (…)» Scivias I, 3 (Op. cit., p.70).
«E, no meio destes elementos, há um globo de terra arenosa de grande dimensão, que os elementos circundam de tal modo que ele não pode mover-se de um lado para o outro: ele mostra claramente, na fortaleza das criaturas de Deus, o homem, objecto de profunda consideração, que foi tirado do pó da terra de um modo admirável e feito em grande glória, e a tal ponto envolvido pela força destas criaturas que ele não consegue de modo algum separar-se delas, pois os elementos do mundo, criados ao serviço do homem, mostram submissão, enquanto o homem, como que entronizado no meio deles, a eles preside por divina disposição, (…)» Scivias I, 3 (Op. cit., pp.76-77).
Alma
«A alma está num canto da casa, isto é, na base do coração, como um homem num canto da sua casa, de modo a ver toda a casa, governa todos os utensílios da casa, (…)» Scivias I, 4 (Op. cit., p.112).
Intelecto
«O intelecto está fixo à alma, como o braço ao corpo. Com efeito, tal como o braço, ao qual se une a mão com os dedos, se estende a partir do corpo, assim também o intelecto, com a actividade das restantes forças da alma, com as quais compreende as acções do homem, procede indubitavelmente da alma. Ele, de facto, mais do que as outras forças da alma, compreende o que há nas acções dos homens, seja bom seja mau, (…)» Scivias I, 4 (Op. cit., p.111).
Ciência reflectiva
«Esta ciência é reflectiva (speculativa), porque ela é como um espelho, pois tal como um homem vê a sua face num espelho e vê se nela há beleza ou mácula, assim também ele apreende na ciência o bom e o mau na acção realizada, que considera dentro de si, pois esta consideração está no sentido racional, que Deus insuflou no homem, quando na sua face insuflou o sopro da vida para fazer uma alma.» Scivias III, 2 (Op. cit., p.415).
TEXTO 10
2.4. Razão e Fé: Agostinho
«Se é vergonhoso crer em alguma coisa, ou procede vergonhosamente aquele que crê no amigo ou não vejo como é que aquele que não crê no seu amigo possa chamar amigo quer a si quer ao outro.» De utilitate credendi 10, 23 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 8, Paris, Desclée de Brouwer, 1951, p.260).
«Se não devo crer naquilo que não vejo, quem seria amado por alguém com mútuo amor, sendo invisível o próprio amor?» De fide rerum quae non videntur 2, 4 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 8, Paris, Desclée de Brouwer, 1951, p.316).
«Três são os géneros de credíveis: uns são aqueles que são sempre cridos e nunca são inteligidos, assim como é toda a história, que percorre os eventos temporais e humanos; outros são aqueles que, quando são cridos, são imediatamente inteligidos, assim como são todas as razões humanas, quer acerca dos números, quer acerca de quaisquer disciplinas; o terceiro [género é] o daqueles que primeiro são cridos e depois são inteligidos, tais como são aqueles que não podem ser inteligidos acerca das coisas divinas senão por aqueles que têm o coração puro (Mat. 5, 8), o que acontece mediante a observância dos preceitos, que são aceites acerca de bem viver.» Livro das oitenta e três questões diversas (De diversis quaestionibus octoginta tribus liber unus), q.48 (Texto de PL 40, reprod. em Biblioteca de Autores Cristianos 551, Madrid, 1995, p.126)
«Três são [as coisas] confinantes entre si nas almas dos homens, que são maximamente dignas de distinção: inteligir (intelligere), crer (credere) e opinar (opinari). Considerando as, cada uma por si mesma: a primeira é sempre sem erro (sine vitio); a segunda é, por vezes, com erro (cum vitio); a terceira nunca é sem erro. (…). Aquilo que inteligimos, devemos à razão (rationi); aquilo em que cremos, devemos à autoridade (auctoritati); aquilo que opinamos, devemos ao erro (errori). Mas todo aquele que tem inteligência (intelligens omnis) também crê, crê também todo aquele que opina; nem todo aquele que crê tem inteligência; ninguém que opina tem inteligência.» De util. cred. 11, 25.
«Com verdade dizemos que é de uma doutrina que procede a fé impressa no coração de cada um dos crentes, mas uma coisa é aquilo em que eles crêem (sed aliud sunt ea quae creduntur), outra a fé pela qual crêem, (aliud fides qua creduntur). Aquilo está nas coisas presentes, passadas e futuras; esta está na alma do crente, e só para aquele que a possui é visível; embora esteja também noutros, não é a mesma, mas uma semelhante.» De Trinitate XIII, 2, 5 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 16, Paris, 1955, p.274).
«Esta fé é comum: […]: mas tal como se pode dizer que todos os homens têm em comum um rosto humano (facies humana); na verdade, isto diz se na medida em que cada um tem o seu.» De Trin. XIII, 2, 5.
«Assim, por um lado, a fé e o rosto são únicos e incomunicáveis, mas, por outro lado, a fé e o rosto são comuns e comunicáveis. A fé e o rosto são únicos e incomunicáveis, pois, como tais, os apreendemos, através do olhar, respectivamente, da mente e do corpo, embora a fé seja directamente visível para o olhar interior do crente e o rosto seja só indirectamente visível para o seu próprio olhar. A fé e o rosto são, porém, comuns e comunicáveis na medida em que não podemos dizê los senão como tais, isto é, através de nomes genéricos.» Maria Leonor Xavier, “Subjectividade e objectividade da fé. Uma reflexão augustiniana”, in José M. Silva Rosa e J. Paulo Serra (Orgs.), Da fé na Comunicação à comunicação da Fé, Covilhã, Universidade da Beira Interior / FCT, 2005, pp.343.
TEXTO 11
2.5. Teologia
Boaventura: uma perspectiva teológica sobre os saberes
«16. Se considerarmos a palavra em relação a quem a profere, verificamos que toda a palavra é signo de um conceito da mente, e este conceito interior é uma palavra mental, prole da mente, conhecida por aquele que a concebe. Mas, para que seja conhecida de quem a ouve, reveste forma de voz, e mediante esse revestimento essa palavra inteligível torna-se sensível, é ouvida de fora e é recebida no ouvido do coração de quem a ouve, sem que por isso se afaste da mente daquele que a profere. De modo semelhante, vemos que o Verbo eterno, que o Pai desde a eternidade concebe, quando o gerou, conforme o que está escrito no oitavo capítulo dos Provérbios, “ainda não existiam os abismos e eu já estava concebido” [Prov. 5, 24], para dar-se a conhecer ao homem sensual tomou a forma de carne, “e o Verbo se fez carne e habitou entre nós” [Jo. 1, 14], permanecendo, não obstante, “no seio do Pai” [Jo. 1, 18].» SÃO BOAVENTURA, Recondução das ciências à teologia (Colecção Filosofia . Textos, 9), tradução e posfácio de Mário Santiago de Carvalho, Porto, Porto Editora, 1996, n.16, pp.22-23.
«23. Entre todos os modos já referidos é possível encontrar o lume da Sagrada Escritura na iluminação da filosofia moral. O intento da filosofia moral incide principalmente sobre a rectidão, pois o seu objecto é a justiça geral, a qual, como diz Anselmo, “é a rectidão da vontade” [De Veritate, c.12]. Ora, “recto” tem uma tríplice acepção, conformemente às quais são trazidas à luz as três conclusões, antes referidas, na consideração da rectidão. Numa, diz-se “recto aquilo cujo meio não excede os extremos” [Platão, Parménides, 137d-e]. Se, portanto, Deus é a suma rectidão quer em si mesmo quer enquanto é princípio e fim de tudo, então é necessário estabelecer em Deus uma pessoa que seja, em si mesma, intermédia, por forma a que uma seja apenas produtora, a outra apenas produzida e uma intermédia, produtora e produzida. É igualmente necessário estabelecer um meio na procedência e no retorno das coisas; mas é necessário que este meio, na procedência, tenha mais da parte da produção, enquanto que, no retorno, esse meio deve ter mais da parte do que retorna; logo, assim como as coisas provieram de Deus pelo Verbo de Deus, então é necessário, para o retorno completo das coisas, que o Mediador “de Deus e dos homens” [1 Tim. 2, 5] não seja só Deus, mas também homem, a fim de poder reconduzir os homens para Deus.» IDEM, Op.cit., n.23, p.26.
Tomás de Aquino: a dupla acepção da teologia
«2. Além disso, o que se ensina (doctrina) não pode ser senão acerca do ente: de facto, nada se sabe a não ser o verdadeiro, que se converte com o ente. Mas, de todos os entes, trata-se nas disciplinas filosóficas, e também de Deus: daí que uma parte da filosofia se diga “teologia”, ou ciência divina, como é evidente segundo o Filósofo, em Metafísica IV (1026 a 19). Não foi, portanto, necessário que houvesse outra disciplina para além das disciplinas filosóficas.» TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae I, q.1, a.1, n.2 (texto da ed. crítica leonina, reproduzido em BAC 77, Madrid, 1951, p.4. Tradução nossa)
«Relativamente ao segundo, deve dizer-se que a diversidade de razões cognoscíveis induz à diversidade das ciências. De facto, o astrónomo e o físico demonstram a mesma conclusão, por exemplo, que a terra é redonda: mas o astrónomo por meios matemáticos, isto é, abstraídos da matéria, enquanto o físico por meios considerados próximos da matéria. Por isso, nada proíbe que, acerca das mesmas coisas, das quais tratam as disciplinas filosóficas, segundo são cognoscíveis pela luz (lumen) natural da razão, também outra ciência trate, segundo são conhecidas pela luz (lumen) da revelação divina. Portanto, a teologia, que pertence à doutrina sagrada, difere segundo o género daquela teologia que se coloca como parte da filosofia.» IDEM, Summa Theologiae I, q.1, a.1, Ad secundum.
3. Conhecimento
TEXTO 12
3.1. Linguagem e conhecimento
A questão do significado da partícula ex
A insatisfação de Agostinho com a 1ª resposta de Adeodato: «Ag. – O que eu pretendo não é que em vez de uma palavra conhecidíssima digas outra igualmente conhecidíssima, que signifique o mesmo, se é que significa o mesmo. Concedamos por agora que seja assim. Certamente se este poeta, em vez de ex tanta urbe, tivesse dito de tanta, e eu te perguntasse o que significava de, tu dirias ex, por se tratar de duas palavras, isto é, de dois sinais, que no teu parecer significam uma única coisa. Pois é precisamente isso mesmo, esse não sei quê de comum, significado por estes dois sinais, que eu desejo saber.» AGOSTINHO, O Mestre (De Magistro), c.2, trad. de António Soares Pinheiro, Porto, Porto Ed., 1995, p.60, ll.38-39, p.61, ll.1‑6.
A mesma insatisfação com a 2ª resposta: «Ag. – […], é-te certamente fácil reconhecer que expuseste palavras por meio de palavras, isto é, sinais por sinais, coisas (sinais) conhecidíssimas por outras igualmente conhecidíssimas. Ora o que eu queria era que me mostrasses, se fosses capaz, as coisas mesmas de que tais palavras são sinais (Ego autem illa ipsa, quorum haec signa sunt, mihi, si posses, vellem ut ostenderes).» IDEM, M. c.2, p.61, ll.15-18.
«Ag. – […]. Não duvidas, creio eu, que, seja qual for o movimento do corpo com que ele [um dançarino pantomímico] tentar mostrar-me a realidade significada por essa palavra [ex], não se tratará dessa realidade mesma, mas de um sinal. Por isso, também ele não me indicará de facto uma palavra por outra, mas apesar de tudo um sinal por outro sinal, de maneira que este monossílabo ex e o respectivo gesto signifiquem uma certa realidade, essa que eu quereria me fosse apresentada (monstrari) sem o uso de sinal.» IDEM, M. c.3, p.62, ll.29-35.
A opacidade das palavras a respeito das coisas
«Ag. – […], quando me é dado um sinal, se ele me encontra ignorante da coisa de que é sinal, nada me pode este ensinar; e se me encontra sabedor, que aprendo eu por meio do sinal?» IDEM, M. c.10, p.90, ll.4-6; «É um raciocínio muitíssimo verdadeiro, e com toda a verdade se diz que ao serem proferidas palavras, ou sabemos o que significam, ou não sabemos; se sabemos, mais o rememoramos do que aprendemos; se não sabemos, nem sequer o rememoramos, mas somos talvez incitados a inquirir (sed fortasse ad quaerendum admoneri).» IDEM, M. c.11, p.92, ll.4-8.
A opacidade do discurso a respeito do seu valor de verdade
«Se te dissesse que tinha visto um homem a voar, porventura as minhas palavras deixar-te-iam tão certo como se me ouvisses dizer que os homens sapientes são melhores que os nescientes? – Com certeza negarias, respondendo que o primeiro não o acreditavas ou que, embora o acreditasses, o ignoravas; mas que o segundo o sabias com absoluta certeza.» IDEM, M. c.12, p.94, ll.37-39, p.95, ll.1-3.
«[…] todas as coisas de que falamos (omnia quae loquimur), ou o ouvinte ignora se são verdadeiras, ou não ignora que são falsas, ou sabe que são verdadeiras. Da primeira das três alternativas é próprio crer, ou opinar, ou duvidar; da segunda, contradizer e rejeitar; da terceira, confirmar. Em nenhum caso portanto se trata de aprender (nusquam igitur discere).» IDEM, M. c.12, p.95, ll.10-15.
«Fica assim demonstrado que nem aquele que depois das nossas palavras ignora um assunto, nem aquele que conhece ter ouvido falsidades, nem aquele que se fosse interrogado poderia responder as mesmas coisas que se tinham dito aprenderam nada com as minhas palavras.» IDEM, M. c.12, p.95, ll.15-18.
A opacidade do discurso a respeito da mente
«Acrescenta a isto os mentirosos e os enganadores (mentientes atque fallentes); por eles facilmente entenderás que pelas palavras, o íntimo não só se abre, mas até se oculta. Entretanto, não duvido de maneira nenhuma de que as palavras dos homens verídicos pretendem, e de algum modo o proclamam, que o íntimo de quem fala se revele. Consegui-lo-iam, todos o concedem, se aos mentirosos não fosse permitido falar.» IDEM, M. c.13, p.96, ll.1-6.
TEXTO 13
A regra da nominação
Compreensão de palavra e nome: «Ag.- E se as palavras (verba) foram assim denominadas em virtude de um desses factos, e, em virtude do outro, os nomes (nomina)? Ou seja, as palavras (verba) em razão da percussão (a verberando), os nomes (nomina) em razão do conhecimento (a noscendo). Desta forma, as primeiras teriam merecido denominar-se assim em razão dos ouvidos; os segundos, em razão do espírito (ab animo).» AGOSTINHO, O Mestre (De Magistro), c.5, trad. de António Soares Pinheiro, Porto, Porto Ed., 1995, p.69, ll.33-37.
Extensão de palavra e nome: «Ag.- E se alguém te afirmar e provar que assim como todo o nome é palavra, também toda a palavra é nome? Poderias então encontrar algo em que difiram, além do som diverso das letras? […]. – Ad.- Concederei, desde que mostres como podemos chamar correctamente nomes a todas as palavras.» IDEM, M. c.5, p.69, ll.6-8, 38-39.
Induções da regra:
1ª) «Ag.- Acaso duvidas ainda de que também as outras partes da oração são nomes, segundo o mesmo modo como demonstrámos?» IDEM, M. c.5, p.71, ll.38-39;
2ª) «Ag.- Parece-te então que, prescindindo de autoridades, é menos firme a mesma razão, pela qual se demonstra que todas as partes da oração significam alguma coisa, e segundo isso são chamadas. Ora se são chamadas (appellari), também são denominadas (nominari), e se são denominadas, são-no certamente por um nome.» IDEM, M. c.5, p.72, ll.18-22.
3ª) «Ora, em todas estas partes da oração, que agora enumerei, quem assim interroga fala correctamente. Isto porém não poderia suceder se elas não fossem nomes.» IDEM, M. c.5, p.72, ll.32-34;
4ª) «Ag.- Podes provar isto mesmo por ti próprio, segundo a mesma regra, a respeito das outras partes da oração? – Ad.- Posso.» IDEM, M. c.5, p.74, ll.8-10.
«Efectivamente, como atrás disse, uma vez conhecida a realidade mesma que se significa é que nós aprendemos a força da palavra, isto é, a significação escondida no som; bem ao contrário de percebermos essa realidade por meio de tal significação.» IDEM, M. c.10, p.91, ll.7-10; «Por conseguinte, conhecidas as coisas alcança-se também o conhecimento das palavras; mas ouvidas as palavras, nem as palavras se aprendem.» IDEM, M. c.11, p.91, ll.34-35.
A regra da fala, ou da comunicação
«Ag.- […]. Mas por que é que tomaste segundo os dois aspectos só isto que se disse “homem” e não também as outras palavras que proferimos? – Ad.- Por onde me provas que não tomei desse modo as outras palavras? – Ag.- Para omitir outras razões, [é verdade que] se a minha primeira pergunta a tivesses tomado toda pelo aspecto das sílabas que soam, nada me terias respondido; efectivamente poderia até parecer-te que também eu nada tinha perguntado. Agora, porém, quando eu fiz ressoar três palavras, uma das quais repeti ao inquirir – se homem é homem – que a palavra central e a final [isto é, homem] não as tomaste segundo os sinais mesmos, mas segundo a realidade por elas significada, é manifesto, mesmo só por isto, que imediatamente julgaste dever responder à pergunta, certo e confiante.» IDEM, M. c.8, p.80, ll.37-39, p.81, ll.1-11.
«Ag.- […]. Se, porém, perguntasse simplesmente: que é homem? Silenciando nome e animal, o espírito (animus) dirigir-se-ia para aquilo que é significado pelas duas sílabas, por essa lei da fala (loquendi regula) por nós aceite, e nada mais responderia senão animal, ou mesmo pronunciar-se-ia a definição completa, ou seja, animal racional mortal.» IDEM, M. c.8, p.83, ll.1-6).
«Ad.- […]. Mas por que nos fere então o espírito quando se diz – portanto não és homem – uma vez que, segundo o que foi admitido, nada de mais verdadeiro se podia dizer? – Ag.- Porque não posso deixar de supor (Quia non possum non putare), apenas soam tais palavras, que a conclusão se refere ao que é significado por essas duas sílabas, em virtude daquela lei que tem muita força na ordem da natureza (ea scilicet regula, quae naturaliter plurimum valet), a saber, que, ouvidos os sinais, o pensamento se dirija para as coisas significadas.» IDEM, M. c.8, p.83, ll.15‑22).
TEXTO 14
Verdade, linguagem e pensamento
«M. Diz-me, portanto, se te parece que há alguma outra rectitude para além destas que considerámos [na enunciação, na cogitação, na acção, na vontade, etc.]. – D. Nenhuma outra para além destas a não ser aquela que está nas coisas corpóreas, que é muito diferente destas, como a rectitude da vara. – M. Em que é que aquela te parece diferir destas? – D. É que aquela pode ser conhecida pela visão corpórea, enquanto estas são apreendidas pela contemplação da razão. – M. Mas aquela rectitude dos corpos não é inteligida e conhecida pela razão para além do sujeito? Ou, caso se duvide se é recta a linha de um corpo ausente, e se possa mostrar que em nenhuma parte se flecte: acaso não se colhe (colligitur) pela razão que é necessário que ela seja recta? – D. Também. Mas a mesma [rectitude] que é assim inteligida pela razão, é sentida pela visão no sujeito. Aquelas, com efeito, não podem ser percebidas senão pela mente. – M. Podemos por isso, se não me engano, definir que a verdade é a rectitude só perceptível pela mente. – D. De modo nenhum vejo que se engane quem diz isso. De facto, nem mais nem menos do que é necessário contém esta definição, porque o nome “rectitude” separa-a de toda a realidade que não se chama “rectitude”; dizer-se que só pela mente é percebida separa-a da rectitude visível.» ANSELMO, A Verdade (De Veritate), c.11 (texto da ed. crítica de F. S. Schmitt, Stuttgart – Bad Cannstatt, 1968: I, p.191, ll.6-24, reprod. em L’Oeuvre d’Anselme de Cantorbéry 2, Paris, Cerf, 1986, p.160. Tradução nossa)
«M. Decerto não se costuma dizer verdadeira [a enunciação], quando significa que é aquilo que não é; possui, no entanto, verdade e rectitude porque faz aquilo que deve. Mas quando significa que é aquilo que é, faz duplamente aquilo que deve, porque significa aquilo que lhe foi dado significar e aquilo para cuja significação foi feita. Mas, segundo esta rectitude e verdade pela qual significa que é aquilo que é, diz-se usualmente (usu) recta e verdadeira a enunciação; não, segundo aquela pela qual significa também aquilo que não é. De facto, mais deve por causa daquilo em vista do qual recebeu a significação do que por causa daquilo em vista do qual não a recebeu. De facto, não lhe foi dado significar que uma coisa é quando não é, ou que não é quando é, senão porque não lhe pôde ser dado apenas significar que é quando é, ou que não é quando não é. Uma, portanto, é a rectitude e a verdade da enunciação, porque significa aquilo para cuja significação foi feita (ad quod significandum facta est); a outra, porque significa aquilo que lhe foi dado significar (quod accepit significare). Esta é decerto imutável à própria oração, aquela é mutável. A esta, com efeito, [a enunciação] sempre a possui, àquela nem sempre. Esta, de facto, é possuída naturalmente, aquela, acidentalmente e segundo o uso.» IDEM, DV 2 (Schmitt: I, p.179, ll.1‑15)
«M. Também dizemos verdadeira a cogitação, quando é aquilo que pela razão ou de algum modo julgamos que é; e falsa, quando não é. – D. Assim sustenta o uso. – M. O que é que te parece, portanto, ser a verdade na cogitação? – D. Segundo a noção que vimos acerca da proposição, nada mais rectamente se diz a verdade da cogitação do que a sua rectitude. Com efeito, foi-nos dado poder pensar que algo é ou não é a fim de pensarmos que é aquilo que é, e que não é aquilo que não é. Por conseguinte, quem julga que é aquilo que é, julga o que deve, e também por isso é recta a cogitação. Portanto, se a cogitação é verdadeira e recta, não por outra razão senão porque julgamos que é aquilo que é, ou que não é aquilo que não é, a sua verdade não é outra coisa senão a rectitude. – M. Consideras rectamente.» IDEM, DV 3 (Schmitt: I, p.180, ll.7‑18)
TEXTO 15
3.2. Iluminação
«Deus, luz inteligível (intelligibilis lux), no qual, pelo qual e através do qual luzem inteligivelmente (in quo et a quo et per quem intelligibiliter lucent), todas as coisas que luzem inteligivelmente (quae intelligibiliter lucent).» AGOSTINHO, Soliloquia I, 1, 3 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 5, Paris, Desclée de Brouwer, 1948, p.28. Tradução nossa).
«Deus é decerto inteligível e inteligíveis são também os conteúdos comprovados das disciplinas (disciplinarum spectamina). No entanto, diferem muito entre si. De facto, a terra é visível, bem como a luz, mas a terra não pode ser vista a não ser iluminada pela luz. Portanto, quem quer que tenha inteligência daquelas coisas que são ensinadas nas disciplinas concede sem dúvida alguma que são inteiramente verdadeiras, e deve‑se crer que as mesmas não podem ser inteligidas a não ser por outro sol como que próprio. – Portanto, tal como é possível advertir neste Sol três aspectos, [a saber,] que existe (quod est), que fulge (quod fulget), e que ilumina (quod illuminat), assim também naquele Deus secretíssimo, que tu queres inteligir, há três aspectos, [a saber,] que existe (quod est), que é inteligido (quod intelligitur) e que faz todo o resto ser inteligido (quod caetera facit intelligi).» IDEM, Sol. I, 8, 15.
«Muitas vezes e insistentemente afirma Plotino, desenvolvendo o pensamento de Platão, que a alma, que se crê seja a alma do mundo, não recebe a sua felicidade de fonte diversa da nossa; e esta fonte é uma luz distinta da alma, a qual criou a alma, e cuja iluminação inteligível a fez inteligivelmente resplandecer. Fez também uma comparação entre estes seres incorpóreos e os corpos celestes esplêndidos e graciosos: Deus seria o Sol e a alma a Lua. Julga‑se, de facto, que a Lua é iluminada por acção do Sol. Assim, pois, para este grande platónico, a alma racional – digamos antes intelectual e este género, no seu pensamento, encerra também as almas dos seres imortais e bem‑aventurados, cujas residências ele coloca, sem hesitar, nas moradas celestes – não tem acima de si qualquer outra natureza além da de Deus, que fez o mundo e por quem ela própria foi feita. E que esses seres celestes não têm outra fonte de vida feliz e de luz para entenderem a verdade, que não seja a que nós temos, - também ele [Plotino] o diz, no que está de acordo com o Evangelho onde se lê: “Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Veio como testemunha para dar testemunho da luz, para que todos por seu intermédio cressem n’Ele. Ele não era a luz mas devia dar testemunho da luz. Havia uma verdadeira luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo.” (Jo. 1, 6‑10). Esta distinção basta para mostrar que a alma racional ou intelectual, tal como a refere João, não podia ser por si a própria luz, mas que a participação em uma outra luz, a verdadeira, a tornava luminosa. O próprio João o confessa quando o testemunha dizendo “Todos nós recebemos da sua plenitude” (Jo. I, 16).» IDEM, A Cidade de Deus X, 2, trad. de J. Dias Pereira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, pp.887-888.
«Quando, porém, se trata de coisas que vemos por meio da mente, isto é, por meio do intelecto e da razão, falamos realmente de coisas que contemplamos presentes nessa luz interior da Verdade, de que é iluminado e goza aquele que se denomina “homem interior”.» IDEM, M. 12, p.94, ll.9‑12.
«Ag. – […]. Todo aquele, porém, que as pode intuir [as coisas que são intuídas pela mente], esse interiormente é discípulo da Verdade, e exteriormente é juiz daquele que fala, ou melhor, da mesma locução, […].» IDEM, M. 13, p.95, ll.21‑23.
«Pois bem: quanto se ama o conhecer e como repugna à natureza humana ser enganada, pode concluir‑se do facto de que ninguém há que não prefira afligir‑se em são juízo a alegrar‑se na demência. Esta grande e admirável força não se encontra, fora do homem, em qualquer animal destinado à morte. É certo que alguns, para contemplarem a nossa luz, têm o sentido da vista mais agudo que o nosso; mas não podem atingir aquela luz incorpórea que na nossa mente brilha de certo modo para que possamos emitir acerca de todas as coisas um juízo correcto; porque é na medida em que a possuímos que desse juízo somos capazes. Todavia, se não há ciência nas sensações dos animais privados de razão, há neles, porém, pelo menos uma certa semelhança de ciência. Os outros seres corpóreos chamam‑se sensíveis, não porque sintam mas porque são sentidos. Entre eles os vegetais imitam a sensibilidade pelo acto de se nutrirem e se reproduzirem. Todavia, estes e todos os seres corporais têm na natureza as suas causas latentes. Quanto às suas formas, que embelezam a estrutura deste mundo visível, eles apresentam‑nas aos nossos sentidos para serem percebidas, parece que como se quisessem dar‑se a conhecer para compensarem o conhecimento que não têm. Nós captamo‑los com os sentidos do corpo, mas não é com esses sentidos do corpo que os julgamos. Com efeito, um outro sentido do homem interior, muito superior aos outros, permite‑nos sentir não só o justo mas também o injusto: - o justo pela sua beleza, o injusto pela privação dessa beleza. Para o exercício deste sentido não chega nem a agudeza da pupila, nem a abertura dos ouvidos, nem os respiradouros do nariz, nem a abóbada do palatino, nem tacto algum corpóreo. É nesse sentido que encontro a certeza de que existo e de que conheço; é nesse sentido que encontro a certeza de que amo tudo isso e de que amo.» IDEM, A Cidade de Deus XI, 27, p.1054-1055.
TEXTO 16
3.3. Abstracção
«Q. 84: Como é que a alma unida [ao corpo] conhece as coisas corporais, que estão abaixo dela?
a.7: Se o intelecto pode inteligir em acto através das espécies inteligíveis que tem em si, sem atender às imagens (phantasmata).
Parece que o intelecto pode inteligir sem recorrer às imagens (phantasmata). […].
«3. Além disso, das coisas incorporais não há imagens, porque a imaginação não transcende o tempo e o contínuo. Se, portanto, o nosso intelecto não pudesse inteligir algo em acto, senão atendendo às imagens, seguir-se-ia que não poderia inteligir algo incorpóreo, o que é evidente que é falso: de facto inteligimos a própria verdade, Deus e os anjos. […].
Quanto ao terceiro, deve dizer‑se que as coisas incorpóreas, das quais não há imagens, são por nós conhecidas por comparação com os corpos sensíveis, dos quais há imagens. Assim, inteligimos a verdade a partir da consideração da realidade sobre cuja verdade especulamos. Deus, porém, como diz Dionísio (Dos nomes divinos c.1, §5), nós conhecemos como causa, e por superação, e por remoção. Também as outras substâncias incorpóreas, nós não podemos conhecer, no estado da vida presente, a não ser por remoção, ou por alguma comparação com as coisas corporais. E, portanto, quando inteligimos algo deste género, é necessário que tenhamos atendido às imagens dos corpos, embora daquilo não haja imagens.» TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teologia I, q.84, a.7 (texto da edição crítica leonina, reprod. em BAC 77, Madrid, 1951, pp.599-600. Tradução nossa).
«Q. 85: Acerca do modo e da ordem do inteligir.
a.1: Se o nosso intelecto entende (intelligit) as coisas corpóreas e materiais por abstracção a partir das imagens. […].
Respondo dizendo que, assim como foi dito acima (q.84, a.7), o objecto cognoscível é proporcionado à capacidade cognoscitiva (virtuti cognoscitivae). Ora, há três graus da capacidade cognoscitiva. Uma é a capacidade cognoscitiva do acto do órgão corporal, a saber, do sentido. E, por isso, o objecto de qualquer potência sensitiva é a forma tal como existe na matéria corporal. E, porque esta matéria é o princípio de individuação, toda a potência da parte sensitiva [da alma] conhece apenas os particulares. – Outra capacidade cognoscitiva é aquela que nem é acto de um órgão corporal nem está de algum modo unida à matéria corporal, assim como o intelecto angélico. E, por isso, o objecto desta capacidade cognoscitiva é a forma subsistente sem matéria. Com efeito, embora [os anjos] conheçam o que é material, eles não o intuem senão no imaterial, a saber, ou em si mesmos ou em Deus. – Entretanto, o intelecto humano encontra‑se num meio termo (medio modo se habet): de facto, não é o acto de algum órgão, mas, no entanto, é uma capacidade (virtus) da alma, que é forma do corpo, como é manifesto a partir do que acima foi dito (q.76, a.1). E, por isso, é próprio dele conhecer a forma existente individualmente na matéria corporal, embora não tal como está nesta matéria. Ora, conhecer aquilo que está na matéria individual, não como está nesta matéria, é abstrair a forma da matéria individual, que as imgens (phantasmata) representam. E, por isso, é necessário dizer que o nosso intelecto obtém inteligência da realidade material abstraindo das imagens. E, através da realidade material, assim considerada, atingimos algum conhecimento da realidade imaterial, tal como os anjos, em sentido contrário, conhecem o que é material através do imaterial. – Platão, na verdade, atendendo apenas à imaterialidade do intelecto humano, não ao facto de estar de algum modo unido a um corpo, postulou, como objecto do intelecto, as ideias separadas e que inteligimos, não abstraindo, mas participando das [ideias] abstractas, como foi dito acima (q.84, a.1).» IDEM, Sum. Theol. I, q.85, a.1, Resp.
TEXTO 17
«Relativamente ao primeiro [argumento], portanto, deve dizer‑se que há dois modos de abstrair. Um modo é por composição e divisão, assim como quando inteligimos que algo não está noutra coisa, ou que está separado dela. Outro modo é por simples e absoluta consideração, assim como quando inteligimos um [aspecto], nada considerando de outro. Abstrair pelo intelecto as coisas que realmente não estão abstraídas, segundo o primeiro modo de abstracção, não vai sem falsidade. Mas, no segundo modo de abstrair pelo intelecto as coisas que não estão abstraídas realmente, não há falsidade, como é manifesto nas coisas sensíveis. Se inteligirmos ou dissermos que a cor não está no corpo que tem cor, ou que está separada dele, haverá falsidade na opinião ou na enunciação. Se considerarmos, porém, a cor e as suas propriedades, nada considerando do fruto que tem cor, aquilo que assim inteligirmos, e também exprimirmos com a voz, será desprovido de falsidade, quer ao nível da opinião quer da enunciação. O fruto não pertence à razão da cor e, por isso, nada proíbe que a cor seja inteligida, nada inteligindo do fruto. – De modo similar, digo que aquilo que pertence à razão da espécie de alguma coisa material, como a pedra, ou o homem, ou o cavalo, pode ser considerado sem os princípios individuais, que não pertencem à razão da espécie. E isto é abstrair o universal do particular, ou a espécie inteligível das imagens, a saber, considerar a natureza da espécie sem consideração dos princípios individuais, que são representados através das imagens. – […]. Não há de facto falsidade em que o modo do sujeito inteligente no inteligir seja diferente do modo da realidade no existir, porque o inteligido está imaterialmente no inteligente, pelo modo do intelecto, não materialmente, pelo modo da realidade material.» TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teologia I, q.85, a.1 (Ad primum).
«Respondo que deve dizer-se que alguns admitiram que as forças cognitivas que estão em nós nada conhecem a não ser as próprias impressões (propriae passiones), por exemplo, que o sentido não sente senão a impressão (passio) do seu órgão. E, de acordo com isto, o intelecto nada inteligirá a não ser a sua impressão, isto é, a espécie inteligível em si recebida. E, de acordo com isto, esta espécie é isso mesmo que é inteligido. – Mas esta opinião é evidentemente falsa por duas razões. Primeiro, porque são as mesmas as [coisas] que inteligimos e aquelas acerca das quais são as ciências. Por isso, se as [coisas] que inteligimos fossem apenas as espécies que estão na alma, seguir‑se‑ia que todas as ciências não seriam acerca das coisas que estão fora da alma, mas somente das espécies inteligíveis que estão na alma, assim como, segundo os platónicos, todas as ciências são acerca das ideias, que eles postulavam serem inteligidas em acto. – Em segundo lugar, porque seguir‑se‑ia o erro dos antigos que diziam que tudo o que parece é verdadeiro (cf. Metafísica III, 1009 a 6), e, assim, que duas contraditórias seriam simultaneamente verdadeiras. Se, de facto, uma potência não conhece senão a sua própria impressão, ela só julga acerca desta. Assim, algo parece conforme é afectada a potência cognoscitiva. Portanto, o juízo da potência cognoscitiva será sempre acerca daquilo que julga, ou seja, da própria impressão, segundo o que é, e assim todo o juízo será verdadeiro. Por exemplo, se o gosto não sente senão a própria impressão, quando alguém que tem o gosto são julga que o mel é doce, julgará com verdade; e, de modo similar, se aquele que tem o gosto doente julgar que o mel é amargo, julgará com verdade: um e outro, de facto, julga conforme o seu gosto é afectado. E, assim, segue‑se que todas as opiniões serão igualmente verdadeiras e, universalmente, todas as concepções. – Por isso, deve dizer‑se que a espécie inteligível está para o intelecto como aquilo pelo qual o intelecto conhece. O que é evidente pelo seguinte. Uma vez que há dois [tipos] de acção, como se diz no livro IX da Metafísica (1050 a 23), uma que permanece no agente, como ver e inteligir, e outra que transita para a realidade exterior, como aquecer e cortar, uma e outra fazem‑se segundo alguma forma. E, assim como a forma, segundo a qual se produz a acção que tende para a realidade exterior, é uma semelhança do objecto da acção, como o calor do que aquece é uma semelhança do aquecido; de modo similar, a forma segundo a qual se produz a acção que permanece no agente é uma semelhança do objecto. Donde, a semelhança da coisa visível é a forma segundo a qual a vista vê e a semelhança da coisa inteligida, que é a espécie inteligível, é a forma segundo a qual o intelecto conhece.» IDEM, Sum. Teol. I, q.85, a.2, Resp.
TEXTO 18
3.4. A questão da unidade do intelecto
Averróis segundo Tomás de Aquino
«Averróis, considerando que o princípio do inteligir, que se diz “intelecto possível”, não é a alma nem parte da alma, senão equivocamente, mas que é antes uma substância separada, diz que o inteligir dessa substância separada é o meu ou o teu inteligir, enquanto esse intelecto possível se une a mim ou a ti, através das imagens que estão em mim e em ti. O que acontece, conforme dizia, do seguinte modo: a espécie inteligível, que faz unidade com o intelecto possível, uma vez que dele é forma e acto, tem dois sujeitos, um coincide com as próprias imagens e o outro é o intelecto possível. Assim, portanto, o intelecto possível é continuado em nós (continuatur nobiscum) pela sua forma mediante as imagens (mediantibus phantasmatibus); e assim, enquanto o intelecto possível conhece, este homem conhece.» A Unidade do Intelecto contra os Averroístas (De unitate intellectus contra Averroistas), c.3, §217 (Texto e divisões da ed. P. Keeler. Tradução nossa).
«Diz o Comentador, [comentando] De anima III (com.5, 5), que esta união [do intelecto com o corpo de Sócrates] dá‑se por meio da espécie inteligível. De facto, esta tem dois sujeitos: um é o intelecto possível; o outro [coincide] com as próprias imagens que estão nos órgãos corpóreos. E assim, pela espécie inteligível, o intelecto possível é continuado no corpo deste ou daquele homem. – Mas esta continuação ou união não é suficiente para que a acção do intelecto seja a acção de Sócrates. E isto é patente por semelhança com o sentido, a partir do qual procede Aristóteles, para considerar as coisas que são do intelecto. Ora, como se diz em De anima III (430 a 10), as imagens (phantasmata) estão para o intelecto assim como as cores para a vista. Portanto, as espécies das imagens (species phantasmatum) estão no intelecto possível assim como as espécies das cores estão na vista. É, no entanto, evidente que pelo facto de estarem as cores na parede, cujas semelhanças estão na vista, a acção da vista não é atribuída à parede. De facto, não dizemos que a parede vê, mas que é vista. Por conseguinte, do facto de estarem as espécies das imagens no intelecto possível, não se segue que Sócrates, no qual estão as imagens, conheça inteligindo, mas que ele próprio, ou as suas imagens sejam inteligidos.» Suma de Teologia I, q.76, a.1, Resp.
A rejeição ética da unidade do intelecto
«É evidente que o intelecto é aquilo que é principal no homem e que usa todas as potências da alma e os membros do corpo, como órgãos. Por isso, Aristóteles disse subtilmente que o homem é o intelecto, “ou maximamente” (Ética Nicomaqueia IX, 1169 a 2). Por isso, se existe um intelecto de todos, segue‑se necessariamente que existe um inteligente e, por consequência, um volente, e um utente, pelo arbítrio da sua vontade, de tudo aquilo segundo o qual os homens se diversificam entre si; daí segue‑se ainda que nenhuma diferença existe entre os homens, quanto à livre eleição da vontade, mas é a mesma de todos, se o intelecto, no qual unicamente reside a proeminência e o domínio do uso de todo o resto, é uno e indiviso em todos: o que é manifestamente falso e impossível. Repugna, de facto, por estas razões óbvias, e destrói toda a ciência moral e tudo o que pertence à convivência civil, como diz Aristóteles (Política I, 1253 a 2‑3).» A Unid. Intel., c.4, §239.
TEXTO 19
A questão da unidade do intelecto agente
«1. Nada do que é separado do corpo se multiplica segundo a multiplicidade dos corpos. Mas o intelecto agente é separado, como se diz em De anima III (430 a 17). Logo, não se multiplica nos muitos corpos dos homens, mas é um em todos.» Suma de Teologia I, q.79, a.5, 1º argumento.
«Quanto ao primeiro, deve dizer‑se que o Filósofo estima que o intelecto agente é separado porque o intelecto possível é separado, pois, como ele próprio diz (ibid.), o agente é mais nobre do que o paciente. Ora, o intelecto possível diz‑se separado porque não é o acto de algum órgão corporal. E do mesmo modo se diz separado também o intelecto agente, não como se fosse uma substância separada.» Sum. Teol. I, q.79, a.5, 1º contra‑argumento (Ad primum).
Tomás de Aquino: a questão da individuação do conhecimento intelectivo e do intelecto
«Um é aquilo que é inteligido por mim e por ti, mas por um é inteligido por mim e por outro [é inteligido] por ti, isto é, por outra espécie inteligível. Um é o meu inteligir, outro o teu. Um é o meu intelecto, outro o teu. […]. Daí que o meu intelecto, quando conhece o seu inteligir, conhece um acto singular; quando, porém, conhece o inteligir simplesmente, conhece algo universal. De facto, não repugna à inteligibilidade a singularidade, mas a materialidade. […].
É, por conseguinte, evidente de que modo se trata da mesma ciência no discípulo e no doutor: é a mesma quanto ao objecto do saber (quantum ad rem scitam), não quanto às espécies inteligíveis pelas quais um e outro conhecem; quanto a isto, a ciência individua‑se em mim e naquele.» A Unidade do Intelecto contra os Averroístas, c.5, §§257‑258.
«Um diz‑se de quatro modos, em Metafísica V (1016 b 31‑35), a saber, em número, em espécie, em género e em proporção. Não deve dizer‑se que uma substância separada é um apenas em espécie ou em género, porque isto não é ser um simplesmente. Resta, portanto, que qualquer substância separada seja um em número. E algo não se diz um em número, porque seja um devido ao número (quia sit unum de numero); não é o número a causa do um, mas inversamente, porque [o um] não se divide no processo de numerar. Um, de facto, é aquilo que não se divide.
E não é verdade que todo o número seja causado pela matéria: em vão teria Aristóteles procurado o número das substâncias separadas. Aristóteles postula também, em Metafísica V (1016 b 35 – 1017 a 6), que muito se diz não só em número, mas em espécie e género.
E também não é verdade que a substância separada não seja singular e algo individual; de contrário, não teria operação alguma, uma vez que os actos são apenas dos singulares, como diz o Filósofo (Cat., 2 b 4‑6; Metaf. I, 981 a 17). Daí que se argumente contra Platão, na Metafísica (VII, 1040 a 22‑29), [dizendo] que, se as ideias são separadas, a ideia não será predicada de muitos, nem poderá ser definida, assim como também não os outros indivíduos que são únicos na sua espécie, como o sol e a lua. A matéria não é princípio de individuação nas coisas materiais senão enquanto a matéria não é participável por muitos, uma vez que é o primeiro sujeito que não existe noutro. Daí que Aristóteles diga, acerca da ideia, que, se a ideia fosse separada, seria alguma (quaedam), isto é, individual (individua), que não poderia ser predicada de muitos.
As substâncias separadas e singulares são, portanto, individuais. Não são individuadas pela matéria, mas pelo facto de que não começaram a existir noutro, nem, por consequência, a serem participadas por muitos.» A Unid. Intel., c.5, §§247‑249.
TEXTO 20
3.5. Conhecimento de si
«Efectivamente, somos e sabemos que somos e amamos esse ser e esse conhecer. E nestas três coisas que acabo de referir nenhuma falsidade parecida com a verdade nos perturba. De facto, não as atingimos, como às realidades exteriores, por qualquer sentido corporal, como as cores pela vista, os sons pelo ouvido, os perfumes pelo olfacto, os sabores pelo gosto, o duro e o mole pelo tacto. Destas coisas sensíveis temos também imagens que muito se lhes assemelham, mas são corporais: consideramo las no pensamento, conservamo las na memória e somos por elas incitados a desejarmos as próprias coisas; mas sem qualquer imagem enganosa da fantasia ou da imaginação, é coisa absolutamente certa que sou, que conheço e que amo. Nestas verdades nenhum receio tenho dos argumentos dos académicos que dizem: que será se te enganares? Pois se me enganar, existo. Realmente, quem não existe de modo nenhum se pode enganar. Por isso, se me engano é porque existo. Porque, portanto, existo se me engano, como poderei enganar me sobre se existo, quando é certo que existo quando me engano? Por conseguinte, como seria eu quem se enganaria, mesmo que me engane não há dúvida de que não me engano nisto: que conheço que existo. Mas a consequência é que não me engano mesmo nisto: que conheço que me conheço. De facto, assim como conheço que existo, assim também conheço isso mesmo: que me conheço.» AGOSTINHO, A Cidade de Deus XI, 26 (Trad. de J. Dias Pereira, Lisboa, FCG, 1993, vol. II, pp.1051-1052).
«Mas porque se trata da natureza da mente, retiremos da nossa consideração todos os conhecimentos que provêm do exterior através dos sentidos do corpo, e atendamos mais diligentemente àquilo que estabelecemos: que todas as mentes se conhecem a si mesmas com certeza. Os homens duvidaram se pertence ao ar o poder de viver, de recordar, de inteligir, de querer, de pensar, de saber, de julgar; ou se pertence ao fogo, ao cérebro, ao sangue, aos átomos, ou a não sei que quinto corpo para além dos habituais quatro elementos; ou se é a conexão ou a combinação da nossa própria carne que consegue efectuar todas essas operações: esforçava se um por afirmar uma coisa, eforçava se outro por afirmar outra coisa. No entanto, quem duvida de que vive, de que recorda, de que tem inteligência, de que quer, de que pensa, de que sabe, e de que julga? Certamente que, se duvida, vive; se duvida donde provém a sua dúvida, recorda; se duvida, tem inteligência de que duvida; se duvida, quer ter a certeza; se duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida, sabe que é preciso não conceder inconsideradamente. Portanto, quem duvida de outra coisa, não deve duvidar de todas estas, que se assim não fossem, de coisa nenhuma poderia duvidar.» IDEM, A Trindade X, 10, 14 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 16, Paris, 1955, p.148. Trad. nossa).
«Grande é o poder da memória, um não sei quê de horrendo, ó meu Deus, uma profunda e infinita multiplicidade; e isto é o espírito (et hoc animus est), isto sou eu mesmo. Que sou eu então, meu Deus? Que natureza sou? Uma vida multiforme, multímoda e extraordinariamente ampla. Eis me nas planícies da minha memória, nos antros e cavernas inumeráveis e inumeravelmente cheios das espécies de inumeráveis coisas, quer por imagens, como as de todos os corpos, quer pela presença, como a das artes, quer por não sei que noções e observações, como as das impressões do espírito, as quais, ainda quando o espírito as não sofre, a memória guarda, dado que está no espírito tudo o que está na memória.» IDEM, Confissões X, 17, 26 (Trad. de A. Espírito Santo, João Beato e Maria Cristina Pimentel, Lisboa, INCM, 2000, pp.473-475).
TEXTO 21
AGOSTINHO
«Que é, pois, o tempo? Quem o poderá explicar facilmente e com brevidade? Quem poderá apreendê lo, mesmo com o pensamento, para proferir uma palavra acerca dele? Que realidade mais familiar e conhecida do que o tempo evocamos na nossa conversação? E quando falamos dele, sem dúvida compreendemos, e também compreendemos quando ouvimos alguém falar dele. O que é, pois, o tempo? Se ninguém mo pergunta, sei o que é; mas se quero explicá lo a quem mo pergunta, não sei: no entanto, digo com segurança que sei que, se nada se passasse, não existiria o tempo passado, e, se nada adviesse, não existiria o tempo futuro, e, se nada existisse, não existiria o tempo presente.» Confissões XI, 14, 17 (Trad. de A. Espírito Santo, João Beato e Maria Cristina Pimentel, Lisboa, INCM, 2000, pp.567-569).
«Uma coisa é agora clara e transparente: não existem coisas futuras nem passadas; nem se pode dizer com propriedade: há três tempos, o passado, o presente e o futuro; mas talvez se pudesse dizer com propriedade: há três tempos, o presente respeitante às coisas passadas, o presente respeitante às coisas presentes, o presente respeitante às coisas futuras. Existem na minha alma (in anima) estas três espécies de tempo e não as vejo em outro lugar: memória presente respeitante às coisas passadas, visão presente respeitante às coisas presentes, expectação presente respeitante às coisas futuras. Se me permitem dizê lo, vejo e afirmo três tempos, são três. Diga se também: os tempos são três, passado, presente e futuro, tal como abusivamente se costuma dizer; diga se. Pela minha parte, eu não me importo, nem me oponho, nem critico, contanto que se entenda o que se diz: que não existe agora aquilo que está para vir nem aquilo que passou. Poucas são as coisas que exprimimos com propriedade, muitas as que referimos sem propriedade, mas entende se o que queremos dizer.» Conf. XI, 20, 26.
«Para que é, então, que lhe foi preceituado que [a mente] se conheça a si mesma? Creio que é para se pensar a si mesma, e viver segundo a sua natureza, isto é, para desejar ser ordenada segundo a sua natureza, abaixo daquele ao qual deve estar subordinada, acima de todas as coisas a que deve ser preferida; abaixo daquele pelo qual deve ser regida, acima das coisas que deve reger.» A Trindade X, 5, 7 (Texto da ed. beneditina, reprod. em Bibliothèque Augustinienne 16, Paris, 1955, p.134. Trad. nossa).
TOMÁS DE AQUINO
«Se o intelecto humano passasse a acto por participação das formas inteligíveis separadas, como preconizaram os platónicos, o intelecto humano inteligir se ia a si mesmo, por uma semelhante participação das coisas incorpóreas. Mas, porque é co natural ao nosso intelecto, no estado da vida presente, estar voltado para as coisas materiais e sensíveis, como foi dito antes (q.84, a.7), segue se que o nosso intelecto obtenha inteligência de si mesmo, conforme passa a acto através das espécies abstraídas dos sensíveis pela luz do intelecto agente, que é o acto dos próprios inteligíveis, e, mediante estes, do intelecto possível. Não é, portanto, pela sua essência, mas pelo seu acto, que o nosso intelecto se conhece.» Suma de Teologia I, q.87, a.1, Resposta (Texto da edição crítica leonina, reprod. em BAC 77, Madrid, 1951, p.621. Trad. nossa).
«Mas, acerca disto, diferentes intelectos dispõem-se de modos diferentes. Há um intelecto, o divino, que é o seu próprio inteligir. Assim, em Deus, inteligir o seu inteligir e inteligir a sua essência são o mesmo, porque a sua essência é o seu inteligir. Há outro intelecto, o angélico, que não é o seu inteligir, como foi dito antes (q.79, a.1), mas o primeiro objecto do seu inteligir é a sua essência. Donde, no anjo, embora inteligir o seu inteligir e inteligir a sua essência não sejam o mesmo, segundo a razão, ele tem a inteligência de ambos [do acto e da essência] simultaneamente e num só acto: (…). Há ainda outro intelecto, o humano, que nem é o seu inteligir, nem a sua própria essência é o primeiro objecto do seu inteligir, mas é algo extrínseco, a saber, a natureza da realidade material. Por isso, aquilo que o intelecto humano conhece primeiro, é um objecto deste género; em segundo lugar, conhece o próprio acto pelo qual conhece o objecto, e pelo acto o próprio intelecto se conhece, cuja perfeição é o próprio inteligir. Por isso, diz o Filósofo que o conhecimento dos objectos precede o dos actos, e o dos actos, o das potências [De Anima II, 415 a 16].» Sum. Teol. I, q.87, a.3, Resposta.
«E isto dá se de dois modos: um é o modo particular (particulariter), segundo o qual Sócrates, ou Platão, percebe (percipit) que tem uma alma intelectiva (se habere animam intellectivam), por perceber o seu inteligir (ex hoc quod percipit se intelligere); o outro modo é no universal (in universali), segundo o qual consideramos a natureza da mente humana (naturam humanae mentis) a partir do acto do intelecto (ex actu intellectus). É verdade, porém, que o discernimento e o resultado desta cognição, pela qual conhecemos a natureza da alma, compete nos a nós conforme a luz do nosso intelecto é derivada da verdade divina, na qual estão contidas as razões de todas as coisas, como foi dito antes (q.84, a.5). (…). – Há uma diferença entre estas duas cognições. Para a posse da primeira cognição da mente, basta a própria presença da mente, que é o princípio do acto a partir do qual a mente se percebe a si mesma. Mas, para a posse da segunda cognição, não basta a presença da mente, mas é requerida uma diligente e subtil inquirição. Daí que muitos ignorem a natureza da alma, e que muitos também tenham errado acerca da natureza da alma.» Sum. Teol. I, q.87, a.1, Resposta.
4. Liberdade
TEXTO 22
4.1. Liberdade humana
«Donde vem esta monstruosidade (unde hoc monstrum)? E porquê isto? O espírito manda no corpo, e é logo obedecido: o espírito manda em si mesmo, e encontra resistência. O espírito manda que a mão se mova, e a facilidade é tanta que a custo se distingue a ordem da sua execução: e o espírito é espírito, e a mão, corpo. O espírito manda que o espírito queira, e, não sendo outra coisa, todavia não obedece. Donde vem esta monstruosidade? E porquê isto? Manda, repito, que queira, ele que não mandaria se não quisesse, e não faz o que manda. Mas não quer totalmente: portanto, não manda totalmente. Pois manda somente na medida em que quer, e aquilo que manda não se faz, na medida em que não quer, porque a vontade manda que haja vontade, não outra, mas ela mesma. Por isso não manda por inteiro; logo, aquela coisa que manda não existe. Pois, se fosse inteira, não mandaria que existisse, porque já existiria. Portanto não é uma monstruosidade em parte querer e em parte não querer, mas é uma doença do espírito, porque ele, carregado com o peso do hábito, não se ergue completamente, apoiado na verdade. E, assim, existem duas vontades, porque uma delas não é completa, e está presente numa aquilo que falta à outra.» AGOSTINHO, Confissões VIII, 9, 21 (Trad. de A. Espírito Santo, João Beato e Maria Cristina Pimentel, Lisboa, INCM, 2000, p.357).
«Não penso que a liberdade do arbítrio seja a potência de pecar e de não pecar. Com efeito, se fosse esta a definição dela, nem Deus nem os anjos, que não podem pecar, teriam livre arbítrio, o que não se pode dizer.» ANSELMO, A Liberdade do Arbítrio, c.1 (Texto da ed. crítica de F. S. Schmitt, reprod. em L’Oeuvre de S. Anselme de Cantorbéry 2, Paris, Cerf, 1986, p.208. Trad. nossa).
«Pelo livre arbítrio, pecou o anjo apóstata ou o primeiro homem, porque pecou pelo seu arbítrio, que era de tal modo livre que por nenhuma outra coisa poderia ser coagido a pecar. E, por isso, é justamente repreendido, porque, com a condição de ter esta liberdade do seu arbítrio, pecou sem alguma coisa coagente, sem alguma necessidade, mas espontaneamente (sed sponte). Pecou pelo seu arbítrio, que era livre; mas não pela causa de ser livre (sed non per hoc unde liberum erat), isto é, pelo poder pelo qual podia não pecar e não servir o pecado, mas pelo poder que tinha de pecar, pelo qual não era exortado para a liberdade de não pecar nem era coagido à servidão de pecar.» IDEM, A Liberdade do Arbítrio, c.2.
«Portanto, uma vez que toda a liberdade é poder, aquela liberdade do arbítrio é o poder de guardar a rectitude da vontade pela própria rectitude (illa libertas arbitrii est potestas servandi rectitudinem voluntatis propter ipsam rectitudinem).» IDEM, A Liberdade do Arbítrio, c.3.
«Quando Deus quer ou faz algo, quer se diga segundo a imutável presença da eternidade, na qual nada é pretérito ou futuro, mas tudo simultaneamente e sem todo o movimento – como quando dizemos que não quis nem quererá ou fará algo, mas apenas que quer e faz –, quer se diga segundo o tempo – tal como quando dizemos que quererá ou fará aquilo que ainda não conhecemos que tenha feito –: não se pode negar que saiba aquilo que quer e faz e que preveja aquilo que quererá e que fará. Por isso, se o saber e o prever de Deus imprime necessidade em tudo aquilo que sabe ou prevê, nada segundo a eternidade ou segundo algum tempo Deus quer ou faz por liberdade, mas tudo por necessidade.» IDEM, A concórdia da presciência, da predestinação e da graça de Deus com o livre arbítrio I, [4] (Texto da ed. crítica de F. S. Schmitt, reprod. em L’Oeuvre de S. Anselme de Cantorbéry 5, Paris, Cerf, 1988, p.170. Trad. nossa).
TEXTO 23
A questão do primado da vontade ou do intelecto
«Respondo que deve dizer-se que a eminência de algo relativamente a outro pode ser tomada de dois modos: de um modo, simplesmente (simpliciter); de outro modo, sob algum aspecto (secundum quid). Considera-se algo assim simplesmente, como é assim em si mesmo (secundum seipsum); sob algum aspecto, conforme se diz assim a respeito do outro (secundum respectum ad alterum). Se, portanto, o intelecto e a vontade forem considerados em si (secundum se), encontra-se o intelecto como mais eminente. E isto é manifesto pela comparação dos objectos entre si. De facto, o objecto do intelecto é mais simples e mais absoluto do que o objecto da vontade: na verdade, o objecto do intelecto é a própria noção do bem apetecível (ipsa ratio boni appetibilis); o bem apetecível, porém, cuja noção está no intelecto, é o objecto da vontade. Quanto mais simples e abstracto algo é, tanto mais nobre e mais alto é em si (secundum se). E, por isso, o objecto do intelecto é mais alto do que o objecto da vontade. Portanto, como a própria noção da potência está ordenada ao objecto, segue-se que, em si e simplesmente, o intelecto é mais alto e mais nobre do que a vontade. – No entanto, sob algum aspecto, e por comparação com o outro, encontra-se por vezes a vontade como mais elevada do que o intelecto, pelo facto, evidentemente, de o objecto da vontade se encontrar numa realidade mais elevada do que o objecto do intelecto. Assim como se disser que o ouvido é, sob algum aspecto, mais nobre do que a vista, enquanto alguma realidade que tem som é mais nobre do que alguma realidade que tem cor, embora a cor seja mais nobre e mais simples do que o som. De facto, como foi dito acima (q.16, a.1; q.27, a.4), a acção do intelecto consiste nisto que a noção da coisa inteligida está no inteligente; mas o acto da vontade perfaz-se nisto que a vontade se inclina para a própria coisa, como é em si. E, por isso, diz o Filósofo, em Metafísica VI (1027 b 25), que o bem e o mal, que são objectos da vontade, estão nas coisas; o verdadeiro e o falso, que são objectos do intelecto, estão na mente. Por isso, quando a realidade na qual está o bem é mais nobre do que a própria alma, na qual está a noção inteligida, por comparação com essa realidade, a vontade é mais elevada do que o intelecto. Quando, porém, a realidade na qual está o bem é inferior à alma, então também por comparação com essa realidade, o intelecto é mais elevado do que a vontade. Daí que o amor de Deus seja melhor do que o conhecimento; mas, pelo contrário, melhor é o conhecimento das coisas corporais do que o amor. Simplesmente, porém, o intelecto é mais nobre do que a vontade.» TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teologia I, q.82, a.3, Resposta.
4.2. Liberdade divina
A questão da eternidade do mundo
Filosofia natural: «A natureza, de facto, produz todo o seu efeito a partir de um sujeito e de uma matéria. Mas a produção a partir de um sujeito e de uma matéria é uma geração (generatio) e não é uma criação (creatio). Destarte, o filósofo natural não pode considerar a criação. Realmente, de que maneira poderia o filósofo natural considerar aquilo a que os seus princípios se não aplicam? E dado que a feitura do mundo (factio mundi), ou a sua produção na ordem da existência não pode ser uma geração, como é por si evidente, mas é uma criação, daqui se segue, que em nenhuma parte da ciência natural se ensina que o mundo foi feito ou produzido na ordem da existência; uma vez que esta produção não é natural, ela não é da competência do filósofo natural.» BOÉCIO DE DÁCIA, A Eternidade do Mundo, trad., introd. e notas de Mário A. Santiago de Carvalho, Lisboa, Edições Colibri, 1996, p.55.
Metafísica: «Que nem o metafísico pode mostrar que o mundo principiou a existir, esclarece-se da forma seguinte. O mundo depende da vontade divina, como sua causa suficiente. Ora, o metafísico não pode demonstrar que um efeito pode ser consequência da sua causa suficiente em duração (in duratione posse sequi suam causam sufficientem), ou pode, pela sua causa suficiente, ser preterido (posse postponi suae causae sufficienti). Logo, o metafísico não pode demonstrar que o mundo é coeterno com a vontade divina. – Igualmente, quem não pode demonstrar que a intenção da vontade divina desde a eternidade consistiu em produzir o mundo no momento em que foi feito, não pode demonstrar que o mundo principiou a existir e que não é coeterno com a vontade divina. Porque aquilo que é querido, provém do sujeito da volição, segundo a intenção da sua vontade. Ora, o metafísico não pode demonstrar que desde a eternidade era essa a intenção da vontade divina. Na verdade, dizer que o metafísico o pode demonstrar, não é apenas uma ficção [da imaginação], mas também, segundo creio, comparável à loucura. De onde provém, realmente, a inteligência do homem, que investiga na perfeição a vontade divina?» IDEM, Op. cit., p.63.
TEXTO 24
«Resta agora verificar se repugna ao entendimento que algo produzido tenha existido desde sempre pelo facto de ser necessário que o não ser lhe seja anterior em duração, visto dizer-se que é feito a partir do nada. Mas, que isto não repugna de forma nenhuma, verifica-se pela afirmação de Anselmo no capítulo oitavo do Monologion ao expor de que maneira a criatura deve ser dita “feita do nada”. “A terceira interpretação, diz, à luz da qual se afirma que algo é feito do nada, tem lugar quando entendemos que algo foi feito, mas que não há algo de que tenha sido feito. Verifica-se uma asserção com significado semelhante quando de um homem triste sem causa se diz que está triste por nada. Portanto, segundo este significado, não se segue inconveniente algum se se entender o que anteriormente foi concluído, ou seja, que para além da Suma Essência, todas as coisas que existem por ela mesma foram feitas do nada, isto é, não de algo”. A partir daqui é evidente que segundo esta exposição, não se afirma qualquer ordem daquilo que foi feito relativamente ao nada, como se fosse preciso que o que foi produzido fosse nada, passando em seguida a ser alguma coisa.» TOMÁS DE AQUINO, Sobre a Eternidade do Mundo (De Eternitate Mundi), trad. de J. M. Costa Macedo, in Mediaevalia. Textos e Estudos, nº 9 (Porto, 1996), p.21.
«Também acrescentam em seu favor argumentos que os filósofos abordaram e refutaram, entre os quais se encontra um, mais difícil, que diz respeito ao número infinito de almas: se o mundo existiu sempre, é necessário que, por isso, as almas sejam infinitas em número. Mas esta argumentação não é demonstrativa porque Deus pode ter feito um mundo sem homens nem almas ou então pode ter feito os homens quando os fez, ainda que tivesse feito o mundo na sua totalidade desde sempre; assim, após os corpos [após a sua morte], não permaneceriam almas em número infinito. Além disso, ainda não foi demonstrado que Deus não possa fazer com que existam realidades infinitas em acto.» IDEM, Op. cit., p.27.
Resposta: «deve dizer‑se que nada, para além de Deus existiu desde toda a eternidade. E não é impossível afirmar isto. De facto, foi acima mostrado que a vontade de Deus é a causa das coisas (q.19, a.4). Portanto, é tão necessário que algumas coisas existam, quanto é necessário que Deus as queira, uma vez que a necessidade do efeito depende da necessidade da causa, como se diz no livro V da Metafísica (1015 b 10). Ora, foi mostrado acima (q.19, a.3) que, absolutamente falando, não é necessário que Deus queira algo a não ser ele próprio. Não é, portanto, necessário que Deus queira que o mundo tenha existido sempre. Mas o mundo existe tanto quanto Deus quiser que ele exista, uma vez que o ser do mundo depende da vontade de Deus, como da sua causa. Não é, por isso, necessário que o mundo tenha existido sempre. Donde, nem tal pode ser demonstrativamente provado.» IDEM, Suma de Teologia I, q.46, a.1, Resp.
Resposta: «deve dizer‑se que só pela fé se sustenta que o mundo não existiu sempre, e que não pode ser demonstrativamente provado, assim como acima foi dito acerca do mistério da Trindade (q.32, a.1). E uma razão disto é que a novidade do mundo não pode receber demonstração da parte do próprio mundo. De facto, o princípio da demonstração é aquilo que é. Cada qual, porém, segundo a razão da sua espécie, abstrai do aqui e do agora, e é por isso que se diz que os universais estão em todo o lugar e sempre. Donde, não se pode demonstrar que o homem, ou o céu, ou a pedra não existiram sempre. – De modo similar, [a novidade do mundo] também não [pode receber demonstração] da parte da causa agente, que age por vontade. De facto, a vontade de Deus não pode ser investigada pela razão, a não ser acerca daquilo que é absolutamente necessário que Deus queira, e tal não é aquilo que ele quer acerca das criaturas, como foi dito (q.19, a.3).» IDEM, Suma de Teologia I, a.2, Resp.
DOCENTE, PUBLICAÇÕES
LIVROS
Autora de:
Razão e Ser. Três Questões de Ontologia em Santo Anselmo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 1999, 793 p.
Livro recenseado por Manoel Vasconcellos, in Veritas. Revista Trimestral de Filosofia da PUCRS, 47 (Porto Alegre, 2002) nº3, pp.489‑490.
Questões de Filosofia na Idade Média, Lisboa, Edições Colibri, 2007, 223 p.
Co‑autora de:
O Mestre, de Santo Agostinho. Introdução e comentários (pp.7-53, 103-121) de Maria Leonor Xavier, tradução de António Soares Pinheiro, Porto, Porto Editora, 1995.
José Trindade Santos, Ricardo Santos, Leonor Xavier, Testes de Filosofia, 12º ano – vol. I, Queluz, ALDA Editores, 1997 («O Mestre, de Santo Agostinho», pp.123‑157).
Tradutora de:
Teologia Mística. Textos de Pedro Hispano e Tomás Galo, introdução, tradução e notas de Maria Leonor L. O. Xavier, Lisboa, CFUL /Ésquilo, 2008, 113 pp.
Livro recenseado por José Francisco Meirinhos, in Philosophica 31 (Lisboa, 2008), pp.221-226.
Coordenadora de:
AAVV, A Questão de Deus na História da Filosofia I-II. Sintra, Zéfiro / FCT / CFUL, 2008, 1355p.
Obra publicada no âmbito da realização do Projecto de Filosofia FCT / CFUL [PTDC/FIL/64249/2006]: «A Questão de Deus. História e Crítica».
ARTIGOS
1. «A justificação cristã da palavra em De Magistro de Santo Agostinho», in Ao Encontro da Palavra. Homenagem a Manuel Antunes, Lisboa, Faculdade de Letras (Filosofia), 1986, pp.65-77.
2. «Filosofia e Latinidade», in Colóquio sobre o Ensino do Latim. Actas, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa/ Ministério da Educação, 1987, pp.73-77.
3. «A Iluminação em De Magistro de Santo Agostinho», Didaskalia, 19 (Lisboa, 1989), nº1, pp.35-46.
4. «António André (Frei)», in Logos. Enciclopédia Luso‑Brasileira de Filosofia, vol.I, Lisboa, Verbo, 1989, cc.306-308.
5. «Dialéctica Agostiniana: um itinerário ontológico mediante uma vivência antropológica», Itinerarium, 36 (Braga, 1990), nº136-137, pp.7-19.
6. «Trivium et Philosophie: le De Magistro de saint Augustin», in Knowledge and the Sciences in Medieval Philosophy. Proceedings of the Eighth International Congress of Medieval Philosophy (SIEPM), vol. II (Publications of Luther‑Agricola Society, B 19), Helsínquia, Yliopistopaino, 1990, pp.535-548.
7. «Necessidade e Historicidade: razões de conveniência na teologia de Santo Anselmo», Itinerarium, 38 (Braga, 1991), nº141, pp.353-367.
8. «João de Rupella (ou de Rochela)», in Logos. Enciclopédia Luso‑Brasileira de Filosofia, vol. 3, Lisboa, Verbo, 1991, cc.49-51.
9. «Taciano», in Logos. Enciclopédia Luso‑Brasileira de Filosofia, vol. 5, Lisboa, Verbo, 1992, cc.9-11.
10. «Klibansky (Raymond)», in Logos. Enciclopédia Luso‑Brasileira de Filosofia, vol. 5, Lisboa, Verbo, 1992, cc.957-960.
11. «A Dizibilidade de Deus, segundo o Monologion de Santo Anselmo», in Joaquim Cerqueira Gonçalves (Coord.), Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem a Francisco da Gama Caeiro, Lisboa, Edições Colibri/ Dep. de Filosofia da FLUL, 1993, pp.315‑329.
12. «O Argumento Ontológico: Kant e Santo Anselmo», in Manuel José do Carmo Ferreira e Leonel Ribeiro dos Santos (Coords.), Religião, História e Razão da Aufklärung ao Romantismo, Lisboa, Edições Colibri/ Dep. de Filosofia da FLUL, 1994, pp.107-123.
13. «A Prova Anselmiana, segundo Karl Barth», Philosophica 5 (Lisboa, 1995), pp.103-121.
14. «Apresentando» a dissertação de Doutoramento em Filosofia (intitulada Razão e Ser. Três Questões de Ontologia em Santo Anselmo, e defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a 29 de Julho de 1994), in Philosophica 5 (Lisboa, 1995), pp.135-141.
15. «Descartes e Santo Anselmo: O Argumento Ontológico», in Leonel Ribeiro dos Santos, Pedro Alves e Adelino Cardoso (Coords.), Descartes, Leibniz e a Modernidade. Actas do Colóquio, Lisboa, Edições Colibri/ Centro e Departamento de Filosofia da FLUL, 1998, pp.81-96.
16. «Pedro Hispano e Tomás Galo: A Mística Dionisiana», in José María Soto Rábanos (Coord.), Pensamiento Medieval Hispano. Homenaje a Horacio Santiago‑Otero, vol. II, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas/ Consejería de Educación y Cultura de la Junta de Castilla y León/ Diputación de Zamora, 1998, pp.1053-1066.
17. «A Mulher e o Feminino na Obra de Santo Anselmo», in Maria Luísa Ribeiro Ferreira (Org.), O que os Filósofos pensam sobre as Mulheres, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 1998, pp.91-108.
18. «Christologie et Théodicée dans le Cur Deus Homo de saint Anselme», in Paul Gilbert (Coord.), Helmut Kohlenberger (coord.), ed. Elmar Salmann (ed.), Cur Deus Homo. Atti del Congresso Anselmiano Internazionale, Roma 21-23 maggio 1998 (Studia Anselmiana, 128), Roma, Pontificio Ateneo S. Anselmo, 1999, pp.503-514.
19. «As mulheres e as heresias aos olhos de um português do século XVI», in Maria Luísa Ribeiro Ferreira e Fernanda Henriques (Orgs.), Representações sobre o Feminino. ex aequo. Revista da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM), 1 (Oeiras, 1999), pp.73-80.
20. «Hildegarda de Bingen: as suas visões e as suas razões», in Maria Luísa Ribeiro Ferreira (Org.), Pensar no Feminino, Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.189‑205.
21. «Para a história da lógica no século XVI: Pedro Margalho e António de Gouveia», in Pedro Calafate (Dir.), História do Pensamento Filosófico Português, Vol.II: Renascimento e Contra‑Reforma, Lisboa, Editorial Caminho, 2001, pp.399‑428.
22. «Ditos filosóficos de Joaquim Cerqueira Gonçalves», in AAVV, Poiética do Mundo. Homenagem a Joaquim Cerqueira Gonçalves, Organização do Departamento e Centro de Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp.61‑115.
23. «A confissão verbal à luz da filosofia da linguagem de Santo Agostinho», in Actas do Congresso Internacional – As Confissões de Santo Agostinho 1600 anos depois: presença e actualidade, Organização do Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2001, pp.613‑625.
24. «O argumento anselmiano: um argumento ontológico?», Revista Ágora Filosófica. Revista Semestral do Departamento de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco, Ano 1 (Recife, 2001) nº2, pp.66‑81.
25. «O nome anselmiano de Deus», in Carlos João Correia (Coord.), A Mente, a Religião e a Ciência. Actas do Colóquio, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2003, pp.269‑278.
26. «Dos fins às origens da fala. Um ensaio sobre a filosofia augustiniana da linguagem», in Homenagem a João Paisana (1945-2001), Phainomenon. Revista de Fenomenologia, 5/6 (Lisboa, Outubro 2002 – Primavera 2003), pp.311‑338.
27. «Subjectividade e objectividade da fé. Uma reflexão augustiniana», in José Maria Silva Rosa e J. Paulo Serra (Orgs.), Da fé na Comunicação à comunicação da Fé (Colecção – TA PRAGMATA), Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2005, pp.339‑352.
28. «Anselme et Bonaventure. Au sujet de l’argument du Proslogion», in José F. Meirinhos (Ed.), Itinéraires de la Raison. Études de philosophie médiévale offertes à Maria Cândida Pacheco, Textes et Études du Moyen Âge, 32, Louvain‑la‑Neuve, Fédération Internationale des Instituts d’Études Médiévales, 2005, pp.127‑145.
29. «A questão da tradução de super na Exposição sobre o Livro da Teologia Mística, de Pedro Hispano», in Aires A. Nascimento e Paulo F. Alberto (Coords.), Actas do IV Congresso Internacional de Latim Medieval Hispânico (Lisboa, 12-15 de Outubro de 2005), Lisboa, Centro de Estudos Clássicos, 2006, pp.963-968.
30. «O conhecimento de Deus: Anselmo e Gaunilo», in Maria Cândida Pacheco e José F. Meirinhos (Eds.), Intellect et Imagination dans la Philosophie Médiévale. Actes du XIe Congrès International de Philosophie Médiévale de la Société Internationale pour l’Étude de la Philosophie Médiévale (S.I.E.P.M.), Porto, 26-31 de Agosto de 2002, (Rencontres de philosophie médiévale, 11), Turnhout, Brepols Publishers, 2006, vol. II, pp.867‑880.
31. «Kant e o argumento anselmiano», in Leonel Ribeiro dos Santos (Coord.), Kant: Posteridade e Actualidade. Colóquio Internacional, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2006, pp.151-162.
32. «Tomás de Aquino e o argumento anselmiano», in José Antônio de C. R. de Souza (Org.), Idade Média: tempo do mundo, tempo dos homens, tempo de Deus, Porto Alegre, Edições EST, 2006, pp.117‑128.
33. «Lévinas: aquém ou além da questão da existência de Deus?», in Cristina Beckert (Coord.), Lévinas entre nós, Lisboa, CFUL, 2006, pp.167-187.
34. «Agostinho da Silva e as interrogações do tempo que urge», Revista Convergência Lusíada, Número Especial. Homenagem a Agostinho da Silva (1906-2006), 23 (Rio de Janeiro, 2007), 1º sem., pp.259-271.
35. «Hannah Arendt e a questão do amor de si em Agostinho», in Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Cristina Beckert e Margarida Amaral (Coords.), Hannah Arendt: luz e sombra. Seminário Internacional, Lisboa, CFUL, 2007, pp. 149-156.
36. «A actualidade das disputas medievais», Arquipélago. Revista da Universidade dos Açores, Série Filosofia, nº 8 (Ponta Delgada, 2007), pp.353-360.
37. «Uma profilaxia antidogmática: a Teoria da Crença, de Joaquim Braga», in AAVV, Convergências & Afinidades: homenagem a António Braz Teixeira, Lisboa, CFUL/ CEFi, 2008, pp. 499-519.
38. «Do pensável e do impensável na filosofia do Argumento Anselmiano», in João J. Vila-Chã (Ed.), Filosofia e Espiritualidade: O Contributo da Idade Média, Revista Portuguesa de Filosofia 64 (Braga, 2008), fasc.1, pp.275-296.
39. «João Duns Escoto e o argumento anselmiano», in Luis Alberto De Boni (Org.), João Duns Scotus (1308-2008). Homenagem de scotistas lusófonos, Porto Alegre / Bragança Paulista, ediPUCRS / EST Edições / Universidade São Francisco, 2008, pp.156-174.
40. «Anselmo e Duns Escoto: variações sobre um mesmo princípio metafísico», Philosophica 31 (Lisboa, 2008), pp.77-90.
41. «O Argumento Anselmiano entre Continuadores e Críticos», in Maria Leonor L.O. Xavier (Coord.), A Questão de Deus. História e Crítica, vol. I, Sintra, Zéfiro / FCT / CFUL, 2008, pp.269-326.
42. «Santo Anselmo, Monologion», in Dicionário Crítico de Filosofia da Religião. I: Obras, Coordenação de Joaquim Cardozo Duarte, Lisboa, GEPOLIS – UCP (no prelo).
43. «Santo Anselmo, Proslogion», in Dicionário Crítico de Filosofia da Religião. I: Obras, Coordenação de Joaquim Cardozo Duarte, Lisboa, GEPOLIS – UCP (no prelo).
RECENSÕES
MARIA CÂNDIDA PACHECO, Ratio e Sapientia. Ensaios de Filosofia Medieval, Porto, Livraria Civilização Editora, 1985, 164p., in Revista da Faculdade de Letras, 5ª série, 6 (Lisboa, 1986), pp.200-201.
SANTO AGOSTINHO, Diálogo sobre a Felicidade, trad. de Mário Santiago de Carvalho, Lisboa, Edições 70, 1988, 112p., in Revista da Faculdade de Letras, 5ª série, 9 (Lisboa, 1988), pp.119-121.
SANTO AGOSTINHO, A Cidade de Deus, trad., pref., nota biog. e transcrs. de J. Dias Pereira, vols. I e II, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991 (vol. I: livros I a VIII), 1993 (vol. II: livros IX a XV), 1442p., in Philosophica. A Cidade 4 (Lisboa, 1994), pp.155-162.
ANDRÉ DO PRADO, Horologium Fidei, Diálogo com o Infante D. Henrique, edição do ms. Vat. lat. 1068, trad., introd. e notas de Aires A. Nascimento, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994, 491p., in Philosophica 7 (Lisboa, 1996), pp.179-184.
Colóquio: «A Filosofia e o Feminino», organizado pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (CFUL), e decorrido em Lisboa de 26 a 27 de Novembro de 1998, in Reflexão Cristã, Nova Série – 9‑10 (Lisboa, 1999), pp.82‑88.
ANA LUÍSA JANEIRA, ANTÓNIO CARLOS CARVALHO, CARLOS JOÃO CORREIA e JOSÉ AUGUSTO MORÃO, O Regresso do Sagrado (Colecção Mesa Redonda), introd. de José Rebelo (Dir. da colecção), Lisboa, Livros e Leituras, 1998, 160p., in Reflexão Cristã, Nova Série – 9‑10 (Lisboa, 1999), pp.112‑114.
MARIA CÂNDIDA PACHECO – JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS (Eds.), Intellect et Imagination dans la Philosophie Médiévale / Intellect and Imagination in Medieval Philosophy / Intelecto e imaginação na Filosofia Medieval. Actes du XIe Congrès International de Philosophie Médiévale de la Société Internationale pour l’Étude de la Philosophie Médiévale (S.I.E.P.M.), Porto, du 26 au 31 août 2002, vol. I-III (Rencontres de philosophie médiévale, 11) Brepols Publishers, Turnhout 2006, XLIV+2008 p.; vol. IV, Mediaevalia. Textos e Estudos, 23 (2004), XLVI+484 pp., in Philosophica 31 (Lisboa, 2008), pp.219-220.
REVISÕES
RICHARD SWINBURNE, Será que Deus existe? (Filosofia Aberta, 7), tradução de Desidério Murcho, Ana Cristina Domingues e Miguel Fonseca, revisão científica de Maria Leonor Xavier, Lisboa, Gradiva, 1998.